João Ferreira, de 38 anos, vereador e eurodeputado, é o cabeça de lista da CDU à Câmara Municipal de Lisboa. As eleições autárquicas, recorde-se, estão marcadas para o próximo dia 1 de outubro.
Atualmente, a única junta de freguesia governada pela CDU, em Lisboa, é a de Carnide. Além de a querer manter, João Ferreira realça a intenção de “disputar e assumir todas as responsabilidades”, inclusive a presidência da Câmara Municipal.
Com uma postura bastante crítica relativamente aos últimos dez anos do Partido Socialista à frente da Câmara Municipal de Lisboa, João Ferreira admite que houve aspetos positivos, apesar de o balanço ser “claramente negativo”. Não descarta um acordo com os socialistas, liderados por Fernando Medina, mas só em condições muito específicas porque, à semelhança do que refere relativamente a um eventual acordo do PCP com o PS para um futuro governo do país, importa é responder à questão: ‘um governo para quê e por quem’.
As principais prioridades referidas pelo candidato são, sobretudo, a habitação, a mobilidade e o desenvolvimento económico da cidade. No entanto, as profundas desigualdades sociais na cidade e o impacto do turismo também assumem um papel importante na candidatura da CDU.
Qual o balanço que faz destes dez anos do PS à frente da Câmara Municipal de Lisboa?
Foram dez anos ao longo dos quais a gestão do PS não soube nem quis resolver alguns dos problemas fundamentais da cidade, no que respeita à habitação, à mobilidade, aos transportes públicos, ao estacionamento, à melhoria substancial da qualidade ambiental da cidade, aos espaços verdes, aos serviços públicos essenciais e estruturantes do bom funcionamento da cidade, como o saneamento, limpeza e higiene urbana, entre outros. Houve um conjunto de problemas que, ao longo destes anos, se mantiveram e se agravaram, sem que a Câmara tenha manifestado a capacidade e a vontade de os resolver. Mas não partimos da posição de que tudo o que foi feito ao longo destes dez anos foi mal feito.
Como por exemplo?
Intervenções de qualificação do espaço público, de libertação de espaço para o peão. A CDU apoiou algumas dessas intervenções, outras tiveram na sua origem propostas mesmo da CDU. Mas é visível que no que diz respeito às áreas estruturantes da vida da cidade o balanço é claramente negativo.
Quais são as prioridades da CDU para o próximo mandato autárquico?
A CDU define como prioridades as questões da habitação, da mobilidade, particularmente do transporte público, o desenvolvimento económico da cidade e a questão dos serviços públicos. É necessário contrariar e reverter um caminho de degradação e desarticulação de um conjunto de serviços públicos municipais que são essenciais ao bom funcionamento na vida da cidade.
A situação de Lisboa aponta para a necessidade de a CDU ter um outro papel na gestão municipalAtualmente, a única junta de freguesia, em Lisboa, que é governada pela CDU é a de Carnide. Para lá de manter esta junta, quais são os principais objetivos para estas autárquicas?
A CDU apresenta-se nestas eleições pronta a disputar e a assumir todas as responsabilidades, incluindo, naturalmente, a presidência da Câmara Municipal e das juntas de freguesia. Na área metropolitana de Lisboa, a CDU é a primeira força no plano autárquico e isso não pode deixar de atribuir um estatuto de alternativa que queremos assumir por inteiro nestas eleições. Entendemos que é possível termos uma gestão capaz de atacar problemas fundamentais que não têm sido resolvidos ao longo dos últimos anos. Creio que a situação de Lisboa aponta para a necessidade de a CDU ter um outro papel na gestão municipal.
A CDU estará aberta a um compromisso com o PS, à semelhança do que acontece com a atual situação governativa do país?
Nas câmaras em que tem a maioria, a CDU tem o hábito de atribuir pelouros à oposição. Uma das riquezas do poder local democrático, que alguns já quiseram desfigurar, é precisamente essa possibilidade de as várias forças estarem representadas no executivo municipal. Em sítios em que não tem maioria e quando considera estarem reunidas condições para desenvolver um trabalho útil em prol das populações, também acontece a CDU aceitar pelouros, quando lhe são propostos. No caso de Lisboa, não nos podemos antecipar a resultados que ainda não conhecemos.
Tendo em conta que elogiou algumas coisas que foram feitas pela atual Câmara, à partida essa aliança poderia ser natural.
Nos últimos anos, a CDU foi uma força da oposição. Não tivemos pelouros atribuídos, por decisão da atual maioria, e isso não impediu que tivéssemos sido uma oposição sempre presente, crítica, atenta, exigente e sempre construtiva. Nunca abdicámos de fazer propostas, e muitas delas foram aprovadas, mas poucas foram postas em prática. Esse percurso feito ao longo dos últimos quatro anos dá alguma credibilidade ao projeto que apresentamos para o futuro da cidade.
Os preços do arrendamento devem ser definidos não em função dos preços de mercado, mas sim dos rendimentos efetivosComo analisa o projeto Renda Acessível proposto pela Câmara Municipal de Lisboa?
É um projeto que procura responder a uma necessidade candente da cidade, que é a existência de habitação a preços acessíveis para a maioria da população, mas que é feito de uma forma que a CDU não faria, nomeadamente porque vai alienar património público, edifícios ou terrenos, que podia ser utilizado para essa finalidade de habitação a preços acessíveis.
Sendo assim, qual é a alternativa que a CDU apresenta no que diz respeito à habitação, nomeadamente na questão do arrendamento?
A proposta da CDU passa pela criação de uma bolsa de arrendamento a preços acessíveis, onde devem ser incluídos os fogos municipais dispersos e disponíveis, alguns que carecem de reabilitação, e na qual podem ser incluídos também, do nosso ponto vista, fogos de particulares, e estou a pensar, sobretudo, em grandes proprietários da cidade, como IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social], como a Santa Casa [da Misericórdia], que mediante os incentivos adequados podem integrar essa bolsa de arrendamento. Esses preços do arrendamento devem ser definidos não em função dos preços de mercado, como alguns defendem, porque isso vai levar sempre a preços incomportáveis para grande parte da população, mas devem ter como referência os rendimentos efetivos.
Por outro lado, outra proposta que fazemos é que por cada nova operação de construção ou de reabilitação profunda, em Lisboa, haja a obrigatoriedade de salvaguardar uma parte dos fogos para habitação a preços acessíveis. Defendemos que seja uma parte não inferior a 25% do total. Propomos ainda que a Câmara possa adquirir, exercendo o direito de preferência que tem, património que tenha uma função nuclear do ponto de vista de criação de dinâmicas favoráveis ao direito à habitação.
O CDS-PP fala no arrendamento de casas “abaixo do valor de mercado”. Não é uma proposta que vai ao encontro daquilo que a CDU pretende?
Não, por uma razão. Quando o CDS propõe habitação cujo preço tem por referência o valor de mercado está, automaticamente, a impor condições ao nível das rendas que estão acima das possibilidades de uma grande maioria da população da cidade. Dizer que vamos vender habitação 30% abaixo do preço de mercado, hoje, face ao que é a situação do mercado e a especulação imobiliária em Lisboa, significa custos incomportáveis para uma grande parte da população. Se queremos que a habitação seja, efetivamente, acessível, a referência na fixação dos preços não pode ser a referência do mercado, como propõe o CDS, não pode ser, sequer, os custos de construção, tem de ser os rendimentos da população.
Graças ao CDS, atravessar a cidade de uma ponta à outra é mais barato de automóvel do que transporte público. Isto não é aceitávelUma das grandes dificuldades que os cidadãos e cidadãs lisboetas, que utilizam transportes públicos, enfrentam no dia a dia é o sobrelotamento de muitos destes transportes, bem com a excessiva demora em grande parte dos percursos. Que soluções é que a CDU apresenta nesta matéria?
É das áreas em que é mais notória a degradação da qualidade de vida na cidade. Entendemos que são necessárias medidas, quer ao nível do Metro, quer da Carris - sem descurar o transporte ferroviário e o fecho da linha de Cintura da CP -, de forma a intervir tendo como objetivo reverter a degradação da qualidade que foi sentida ao longo dos últimos anos, repor carreiras e horários suprimidos, sobretudo à noite e ao fim de semana. E, uma coisa de enorme importância, que é uma redução substancial no preço dos bilhetes e dos passes.
Estamos a falar de uma redução na ordem de que valores?
De uma redução sempre substancial. Foi essa a proposta que fizemos várias vezes na Câmara Municipal e que foi sempre chumbada pelo PS, pelo PSD e pelo CDS. O que propúnhamos era, no imediato, fixar os preços vigentes em 2011, o que significa uma redução na ordem dos 20 ou 30%, criando condições para, a prazo, ir além disso. Hoje, para atravessar a cidade de uma ponta à outra, é mais barato fazê-lo de automóvel do que transporte público. Isto não é aceitável.
Em relação ao Metro, é necessário repor os níveis de oferta que tínhamos também em 2011. É necessário, no imediato, repor o serviço existente, nomeadamente os três minutos de espera nas estações, que, hoje, andam na casa dos cinco, sete ou mais.
Mas existem meios para isso?
Tem de se cuidar para que haja esses meios, nomeadamente no que diz respeito à contratação de pessoal. Não é possível fazê-lo sem a contratação de maquinistas em falta ou sem garantir as peças necessárias para as composições que estão paradas. Após esta reposição dos níveis mínimos de oferta, é necessário criar condições para pensar a expansão da rede, não da forma que a atual maioria quer fazer, ou seja, criando uma rede circular na zona central da cidade e desinvestir na ligação a todas as outras zonas, mas sim uma expansão da Linha Vermelha para a zona ocidental da cidade, criando estações na zona de Campo de Ourique, Campolide, Amoreiras, Alcântara, Ajuda e Belém, e, expandindo o metro para a zona da Alta de Lisboa, fazer uma ligação na zona norte entre a Linha Verde e a Linha Azul. Estas devem ser as prioridades a par da extensão do metro ao concelho de Loures.
Temos os fluxos turísticos concentrados numa zona muito pequena da cidade, mas temos condições para levar o turismo a outras zonasEstaríamos a falar de um compromisso a médio/longo prazo. Aponta, mais ou menos, para um período de quanto tempo para efetuar essa expansão?
Depende. É uma questão que não depende do poder municipal. A Câmara Municipal de Lisboa deve fazer o possível junto do Governo para que estas soluções sejam concretizadas o mais rapidamente possível. A Câmara deve defender as soluções do ponto de vista da expansão que são mais adequadas à cidade. Defender uma linha circular como faz hoje a atual maioria do PS não responde às necessidades mais urgentes da cidade e vai adiar a resposta às necessidades urgentes por muitos anos. Aquilo que dizemos é fazer, com o investimento previsto para a linha circular, uma expansão mais útil e mais barata, ou pelo menos com os mesmos recursos.
Considera realista a proposta do CDS-PP de criar 20 estações de metro nos próximos anos?
É uma proposta demagógica, com fins meramente eleitorais. É importante não esquecer que a solução que o CDS concretizou no governo para o Metro de Lisboa impedia, por muitos anos, qualquer expansão da rede. É importante não esquecer também que é graças ao CDS que, hoje, atravessar a cidade de uma ponta à outra de metro, numa viagem de ida e volta, custa mais do que fazê-la de carro. Está tudo dito sobre a prioridade que o CDS atribui ao metro. Dizer agora que quer fazer mundos e fundos… é demagogia eleitoral que é ofensiva e atentatória à inteligência dos lisboetas.
Outro dos desafios da cidade de Lisboa, que é evidente, é o crescimento do turismo com todas as vantagens e problemas que lhe estão associados. Quais devem ser as principais medidas a tomar?
O turismo é e sempre foi um fator de desenvolvimento importante da cidade. Mas é importante pensarmos o turismo, o que é que pretendemos para o turismo, e de que meios é que a cidade se tem de dotar para garantir um desenvolvimento do turismo. O grande problema, nos últimos anos, foi que a atual maioria pensou que, deixando o desenvolvimento do turismo nas mãos do mercado, todos os problemas se resolveriam. Isso não só não aconteceu como temos, hoje, conflitos sérios em que o desenvolvimento do turismo pôs em causa um conjunto de outras funções importantes da vida da cidade, como a habitação, determinado tipo de comércio ou a mobilidade.
Aquilo que é necessário é pensar o desenvolvimento do turismo com a salvaguarda destas condições. Isso deve-se fazer diversificando os fatores de atratividade turística. Temos os fluxos turísticos concentrados numa zona muito pequena da cidade, mas temos condições, mediante políticas adequadas, para levar o turismo a outras zonas, ganhando Lisboa mais com isso do que aquilo que hoje está a ganhar.
Temos como uma das nossas prioridades a diminuição das desigualdades profundas que hoje percorrem a cidadeOnde é que acha que deviam ser aplicadas algumas das receitas obtidas através do turismo?
Nós não temos a visão demagógica, que alguns têm vindo a explicitar ultimamente, de que a taxa turística, de repente, vai financiar tudo e mais alguma coisa. Existindo esse recurso, ele deve ser afeto, sobretudo, à minimização do impacto causado por uma sobrecarga da população em determinadas zonas da cidade. Desde a limpeza e higiene urbana, à garantia de condições de mobilidade, à criação de melhores condições de fruição do espaço público.
Um dos temas mais sensíveis, na questão do turismo, é o alojamento local. Como é que se consegue conciliar o aumento exponencial do arrendamento a curto prazo com as dificuldades sentidas no arrendamento a longo prazo?
É das tais áreas em que é necessária uma intervenção dos poderes públicos. A atual Câmara Municipal de Lisboa entendeu que não devia fazer nada quanto a isso, e que devia deixar a oferta nas mãos do mercado. O PCP foi pioneiro, nomeadamente na Assembleia da República, a intervir com propostas legislativas que visam alcançar essa compatibilização e regulação. Podem passar por medidas de condicionamento por bairro e freguesia no alojamento local, que pode ser de diversas formas. É importante que se estabeleça uma diferença entre o que é o pequeno e o grande proprietário de alojamento local, é necessário atribuir aos condomínios um outro papel na regulação do fenómeno.
No que diz respeito às desigualdades sociais, a sensação que passa é que os cidadãos e cidadãs de algumas zonas mais desfavorecidas da cidade de Lisboa acabam por ser um bocado esquecidos no debate autárquico. O que é que a CDU tem para dizer às milhares de pessoas que vivem com enormes dificuldades económicas e sociais, em muitos casos abaixo do limiar da pobreza?
Lisboa tem cerca de 70 bairros municipais, onde vivem, sobretudo, famílias em situações de carência económica ou de menores rendimentos. São perto de 90 mil lisboetas, cerca de um quinto da população da cidade, que foram esquecidos, em grande medida, por parte do poder municipal. Lisboa é, como referiu e bem, uma cidade marcada por profundos contrastes. É a cidade do cartão postal que esconde o seu pátio das traseiras que são esses quase 70 bairros municipais, onde em muitos deles falta quase tudo, desde condições de habitabilidade, de salubridade dos próprios edifícios, condições de fruição do espaço público, equipamentos, espaços verdes, pequeno comércio, às vezes um simples multibanco, transportes púbicos. Temos como uma das nossas prioridades a diminuição das desigualdades profundas que hoje percorrem a cidade. É importante que Lisboa seja uma cidade cómoda, atraente, segura, moderna, mas que o seja para todos os lisboetas. Isto exige uma atenção muito especial àqueles que, nos últimos anos, foram excluídos das preocupações da atual gestão municipal.
Lisboa deve olhar para a sua natureza diversa e cuidar de a preservarNos bairros periféricos e municipais, ainda assistimos a uma enorme segregação. Se for eleito presidente da Câmara de Lisboa, o que vai fazer no imediato para a combater?
Temos de garantir, a todas as zonas da cidade, e fundamentalmente nessas, condições de fruição que as aproximem de outras zonas da cidade. Temos de garantir a qualidade das habitações, um conjunto de serviços de apoio à população, dirigidos aos idosos, à infância e às famílias, um conjunto de serviços que são essenciais na vida da cidade, por exemplo o comércio tradicional. A Câmara é proprietária de inúmeras lojas, em bairros municipais, que estão vazias e devolutas, que podiam, mediante condições adequadas, ser disponibilizadas para a fixação de pequenos negócios, estimulando a criação de emprego.
Em muitos casos, as desigualdades sociais são agravadas por uma segregação com base racial. Este é um problema que o inquieta?
Lisboa deve olhar para a sua natureza diversa e cuidar de a preservar, criando condições para que isso aconteça. Deve combater esses fenómenos de segregação.
Na questão da segregação racial, concretamente, que soluções é que a CDU tem para apresentar?
Em primeiro lugar, todos os lisboetas, perante a Câmara Municipal de Lisboa, devem ser iguais independentemente da sua origem étnica ou racial. Isso é uma evidência. Não nos revemos em determinado tipo de visões racistas e xenófobas que têm sido expressadas noutros concelhos que não em Lisboa. Em segundo lugar, o que se exige é uma intervenção, em particular nos bairros municipais, de proximidade, que houve em tempos mas que deixou de haver, como por exemplo a existência de mediadores, de assistentes sociais, que façam a ponte entre moradores e a Câmara Municipal de Lisboa, que garantam uma identificação e uma intervenção atempada sobre problemas que surjam nesses bairros. O problema é que, em muitos destes bairros, as populações foram deixadas ao abandono. A Câmara é proprietária mas só se lembra disso na hora de receber a renda. A Câmara tem de garantir um trabalho de proximidade com os moradores dos bairros.
Não aparecemos aqui ontem ou hoje, andámos cá ao longo destes últimos quatro anosComo avalia o seu trabalho enquanto vereador? Quais os principais feitos conseguidos e o que ficou por fazer?
Não faço avaliações individuais, faço uma avaliação coletiva do que foi o trabalho feito pela CDU ao longo destes últimos anos. E é um trabalho que fala por si. Foi por iniciativa da CDU que se discutiram, na Câmara Municipal de Lisboa, propostas referentes a temas candentes na vida da cidade. Por outro lado, não abdicámos, nunca, de ter uma presença nos bairros e nas freguesias que nos possibilitasse identificar, atempadamente, os problemas e fazer propostas no sentido da sua resolução. Não aparecemos aqui ontem ou hoje, andámos cá ao longo destes últimos quatro anos, e isso é visível no trabalho que desenvolvemos, quer na Câmara, quer nas freguesias. E insisto, é isso que dá credibilidade ao projeto que hoje apresentamos para o futuro da cidade.
Além de vereador, o João Ferreira é também eurodeputado. É fácil conciliar as duas funções?
É exigente, mas creio que dessa acumulação resultaram benefícios para a minha intervenção nas duas frentes. De resto, nem a intervenção da CDU na Câmara Municipal de Lisboa nem a intervenção no Parlamento Europeu temem comparações com o quer que seja. É uma intervenção que se destaca nas duas frentes, pela qualidade e quantidade de trabalho desenvolvido. Essa compatibilização foi exigente, mas foi também frutuosa do ponto de vista do que é um conjunto de aprendizagens que se tem em cada uma dessas frentes.
Falemos agora da atual solução governativa em Portugal. Identifica-se com a chamada 'Geringonça'?
Não me identifico com o termo. Aquilo que identifico é uma situação política em que o PSD e o CDS foram colocados em minoria e em que o PS, estando no Governo, não tem a maioria. Esta situação, que é diferente daquilo que tivemos nas últimas décadas, trouxe benefícios claros para os portugueses. O primeiro foi travar e impedir os planos do PSD e do CDS de levar mais longe o projeto de destruição e empobrecimento que foi implementado durante quatro anos no país. E isso é uma primeira mais-valia para a solução política. Uma segunda foi a possibilidade que houve de iniciar um caminho, no qual o PCP tem um papel determinante, de devolver aos trabalhadores e ao povo português aquilo que lhes foi retirado durante os quatro anos de vigência do governo PSD/CDS. É um caminho que só foi iniciado, e que só em parte foi percorrido, que interessa aprofundar e concluir. Mas creio que é inquestionável e preferível iniciarmos este caminho do que continuar o de empobrecimento, de destruição das funções sociais do Estado, dos serviços públicos e de comprometimento das capacidades de desenvolvimento do país.
Acredita que esta solução será para manter no final do mandato? Uma eventual maioria absoluta do PS, em futuras eleições, colocaria um final nos acordos estabelecidos à Esquerda?
Esta solução será tanto mais sustentável quanto corresponda a essa necessidade de devolver aos trabalhadores e ao povo português os rendimentos e direitos que lhes foram retirados. Por outro lado, será tanto mais sustentável na medida em que responda a problemas estruturais do país. Infelizmente, não vemos da parte do Governo do PS a intenção de atacar um conjunto de problemas que são necessários atacar, como a dívida, o crescimento e desenvolvimento económico, o emprego, o funcionamento de setores estratégicos da economia, os serviços públicos e funções essenciais do Estado. Uma maioria do PS ou dos partidos que estiveram anteriormente no governo só iria piorar esta situação. Aquilo que é necessário que aconteça para criar condições, que apesar de tudo, hoje, ainda não existem para responder a esses problemas, é acentuar mais o reforço do PCP e da CDU. Foi esse reforço que abriu caminho a esta solução política. É levando mais longe esse reforço que vamos responder aquilo que este Governo não está a conseguir dar resposta.
Imagino-me como presidente da Câmara Municipal de LisboaImagina a CDU fazendo parte de um governo ao lado do PS e do Bloco de Esquerda? Poderá ser o passo seguinte tendo em conta a convergência que está a ser construída?
Antes de se responder à pergunta ‘um governo com quem’ temos de responder a outra pergunta: ‘Um governo para quê e por quem’. A CDU nunca se afastou da possibilidade de exercer responsabilidades governativas, mas não é um objetivo para nós estar no governo independentemente da política que é desenvolvida.
O PCP é o partido que tem manifestado a mais extraordinária capacidade de renovação e rejuvenescimentoPela sua juventude, o João Ferreira é visto, por muitos, como um dos rostos da renovação geracional do PCP. Que críticas é que tem a fazer à atual liderança do partido?
Na história do PCP, renovar é viver. O PCP é o partido que tem manifestado a mais extraordinária capacidade de renovação e rejuvenescimento. Só assim se explica que um partido com quase um século de história tenha ainda hoje uma influência como aquela que o PCP tem. Se tem demonstrado esta capacidade de reforçar esta ligação, significa que o PCP está no bom caminho e assim deve continuar.
Independentemente dos aspetos positivos que enumera, também, certamente, haverá algumas coisas em que será mais crítico em relação à posição oficial do partido.
Como lhe disse, acho que o PCP está no bom caminho e assim deve continuar. Creio que se o fizer, vai, com certeza, reforçar-se do ponto de vista da sua influência social, política e eleitoral. O país precisa e ganharia seguramente muito com esse reforço do PCP.
Para terminar, uma pequena provocação: Imagina-se, no futuro, como secretário geral do PCP?
Não. Imagino-me como presidente da Câmara Municipal de Lisboa.