Democracia em Vertigem é "uma demonstração de força do cinema brasileiro"
O documentário 'Democracia em Vertigem', realizado por Petra Costa, concorre este domingo a um Óscar de Melhor Filme Internacional, uma nomeação que honra o cinema brasileiro, o cinema feminino, e que chama a atenção para as convulsões políticas no Brasil, numa altura em que artes são alvo de desinvestimento por parte do governo brasileiro.
© REUTERS/Francisco Proner
Cultura Petra Costa
Se há 20 anos o Brasil torcia por Fernanda Montenegro, nomeada para um Óscar de Melhor Atriz pelo filme ‘Central do Brasil’, de Walter Salles, ou, há menos tempo, sofria com o desamor da Academia para com ‘Cidade de Deus’, de Fernando Meirelles - um portento no retrato visual e social brasileiro que elevou o cinema do país ao conseguir quatro nomeações, sem vencer nenhuma -, hoje a realidade é outra.
Petra Costa, realizadora de ‘Democracia em Vertigem’, filme nomeado na categoria de Melhor Documentário para esta 92.ª edição dos Óscares, tem sido alvo de sucessivos e ferozes ataques por parte da administração e do próprio Jair Bolsonaro, presidente do Brasil. Ataques que encontram eco na maior parte do eleitorado de extrema-direita, descontente com o retrato político que a realizadora de ‘Elena’ faz da destituição da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016) e da crise política no Brasil que se seguiu.
No documentário, que está disponível na Netflix desde junho passado, a cineasta de 36 anos de idade enquadra todo o processo a partir do seu ponto de vista, expondo o percurso da sua família e as suas próprias filiações políticas, uma leitura pessoal da atmosfera política que tem sido usada como fator de descredibilização pelos seus detratores, que a acusam de parcialidade e de falar de uma posição de privilégio.
Não costumo perder tempo desmentindo canalhas como a sra @petracostal, mas o nível dos absurdos da sujeita chega a ser criminosoSabe o que não é mentira? A militante comunista aí é herdeira da Andrade Gutierrez, empresa metida até o pescoço no Petrolão. Quero ver distorcer isso https://t.co/KHFqUsXPMC
— Eduardo Bolsonaro (@BolsonaroSP) February 3, 2020
“O documento histórico ‘Democracia em Vertigem’ é um contributo para quem um dia decidir aprofundar sobre ‘o que aconteceu com o Brasil?’, tema que será debatido extensivamente nos próximos cinquenta anos”, disse ao Notícias ao Minuto, Dewis Caldas, documentarista e jornalista brasileiro.
Na opinião do documentarista, o filme é importante “para qualquer entusiasta do documentário brasileiro que, na temática política - de Silvio Tendler a João Moreira Salles -, se importa com as questões da documentação do tempo”. “No aspeto didático, enquanto documentário político, as explicações dos sistemas e os processos macro partidários são esmiuçados no filme e isso preenche uma lacuna de informação que deveria ser lugar do jornalismo brasileiro”, disse Dewis Caldas.
Andressa Barichello, escritora, concorda com essa visão e destaca a documentação feita aos atropelos de direitos humanos: “O documentário resgata, por exemplo, a exaltação feita ao torturador Brilhante Ustra por Jair Bolsonaro. Este mês de janeiro, o presidente afirmou que ‘cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós’”. Barichello recorda os traços autoritários de uma administração de extrema-direita que tem sido fortemente crítica da expressão artística. “É bom lembrar que Roberto Alvim (secretário da cultura do governo Bolsonaro) foi demitido por referenciar um discurso nazi”, referiu a escritora.
Por outro lado, a nomeação traz uma exposição mundial importante não só para a realizadora, Petra Costa, como para a realidade política brasileira. “Um número muito maior de pessoas passe a ter acesso a uma leitura sobre o que aconteceu no Brasil em 2016”, salientou Andressa Barichello.
“Democracia em vertigem” é um documentário potente sobre o golpe antidemocrático no Brasil e a ascensão da extrema-direita. A certo momento a realizadora conversa com uma das trabalhadoras da limpeza nas escadas do palácio presidencial. pic.twitter.com/0AQs9CM6zx
— Catarina Martins (@catarina_mart) January 14, 2020
"Petra representa um grupo de cineastas brasileiras que se movimenta para romper com o machismo"
Apesar dos ataques da administração de Jair Bolsonaro ao setor cultura e, em particular, aos artistas que são críticos do seu governo, o cinema brasileiro tem-se destacado internacionalmente. No festival de Cannes, em 2019, o filme 'Bacurau' ganhou o prémio do júri, enquanto 'A Vida Invisível de Eurídice Gusmão' ganhou o prémio na categoria Um Certo Olhar.
1 Como se não bastasse a grosseria misógina e sexista de Bial contra Petra Costa, ao chamá-la de menina insegura em busca de aprovação dos pais, a candidata brasileira ao Oscar com o filme Democracia em Vertigem foi vítima de intolerável agressão oficial do governo Bolsonaro.
— Dilma Rousseff (@dilmabr) February 4, 2020
A nomeação de ‘Democracia em Vertigem, diz Dewis Caldas, “traz uma demonstração de força e invencibilidade de um cinema brasileiro que está sendo desmontado dia após dia” e serve de “ponte para o mundo que viu pelos feeds muita desinformação e fake news”.
Letícia Mendes, jornalista e criadora do projeto ‘Elas no Cinema’ (@elasnocinemalx), acredita que, "além de possivelmente trazer o primeiro Óscar para o Brasil", o filme importa por ser realizado por uma mulher. “Petra Costa representa um grupo de mulheres cineastas brasileiras que se está movimentar para romper com o machismo ao registarem o período político atual do Brasil, entre elas Maria Augusta Ramos (‘O Processo’), Antonia Pellegrino e Isabel Nascimento Silva (‘Primavera das Mulheres’)”, fez sobressair.
“É uma nomeação que está a incomodar a extrema-direita brasileira”, acrescenta Letícia Mendes, e por isso “já é uma vitória”. “Espero que as pessoas aproveitem para ver os filmes anteriores dela, prestigiando e apoiando, assim, o cinema brasileiro”, terminou.
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