Num texto publicado no 'site' oficial da Cinemateca Portuguesa, Augusto M. Seabra é recordado como "um dos críticos mais ativos na divulgação [em Portugal] dos cinemas das várias regiões da Ásia, incluindo China continental, Japão, Hong Kong, Taiwan, Filipinas ou Índia, e mais tarde também do Irão (tendo sido, certamente, dos primeiros a chamar a atenção para Abbas Kiarostami)".
"Como crítico de cinema foi sempre alguém interessado em conciliar a atenção à vertente popular desta arte, o legado das épocas clássicas (em 1982, por exemplo, chamou ao 'E.T.' de Steven Spielberg, em texto no Expresso aquando da estreia mundial do filme em Cannes, 'O Filme do Nosso Deslumbramento') com a descoberta e defesa das cinematografias ditas 'periféricas', fora do eixo Europa/América", lê-se no texto.
Augusto M. Seabra morreu na madrugada de hoje, em Lisboa, aos 69 anos, vítima de várias complicações prolongadas de saúde, disse à agência Lusa fonte próxima da família.
Nascido a 09 de agosto de 1955, Augusto Manuel Seabra, formado em Sociologia, dedicou-se à crítica de música a partir de 1977 e também no cinema, tendo desenvolvido atividade em vários periódicos, nos quais foi colunista, além de se dedicar à programação.
Nas críticas que escrevia, Augusto M. Seabra "foi para além do horizonte mais habitual desta prática".
"Com frequência, os seus textos ultrapassaram em muito o domínio estrito da análise de obras ou espetáculos, transformando-se em reflexões continuadas sobre o papel das instituições e da política cultural no nosso país. A esse outro nível, a sua intervenção foi mais uma vez feita de conhecimento, memória, ponto de vista, e, o que não é nada despiciendo, raro espírito de independência, nunca poupando a priori quaisquer entidades, grupos ou instituições - disso não se excluindo a Cinemateca", refere aquela instituição.
Enquanto crítico de cinema, e de música, "com intervenção em variadíssimas outras áreas", Augusto M. Seabra "deixou marca indelével no espaço da crítica das artes em Portugal ao longo do último meio século", considera a Cinemateca Portuguesa.
Em 2021, Augusto M. Seabra doou o acervo pessoal, entre livros, discos, DVD, periódicos, e outros documentos, a sete entidades públicas, uma das quais a Cinemateca Portuguesa, que recebeu "a sua vasta Biblioteca e Mediateca de Cinema".
Nesse ano, Augusto M. Seabra foi homenageado por aquela instituição, onde era "presença regular", "com uma carta branca que espelhava a abrangência do seu conhecimento, que deixou de parte títulos óbvios optando por um conjunto de títulos dos mais variados registos e origens geográficas".
Augusto M. Seabra escreveu com regularidade desde o final dos anos 1970 para jornais como A Luta e o semanário Expresso, tendo ainda participado como júri de vários festivais internacionais de cinema, nomeadamente de Cannes e de San Sebastian, de Turim, Salónica e Taipé.
Foi programador do festival DocLisboa e consultor do Script Fund, do antigo programa Media da União Europeia.
Com José Nascimento, Augusto M. Seabra assinou o documentário "Manoel de Oliveira: 50 Anos de Carreira", abordagem pioneira do trabalho do cineasta, datada de 1981.
No exercício da crítica, em anos recentes, Augusto M. Seabra chegou a ser processado em tribunal e absolvido em 2007, por ter chamado "energúmeno" a Rui Rio, então presidente da câmara do Porto, devido a uma polémica em torno da Casa da Música.
Em 2016, o então ministro da Cultura João Soares prometeu-lhe "salutares bofetadas" - a Augusto M. Seabra e também a Vasco Pulido Valente - por artigos de opinião com críticas à linha de ação política da cultura. João Soares apresentaria a demissão do cargo dias depois da polémica.
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