No seguimento da mais recente invasão militar russa à Ucrânia, várias foram os governos nacionais e organizações internacionais que condenaram aquele que muitos descreveram de um vergonhoso ataque à soberania e independência territorial ucraniana, bem como uma flagrante violação aos princípios fundamentais que zelam pela paz e segurança dos povos, tendo, na sequência, imposto inúmeras sanções de diversa natureza.
Ora, tal como expectável, tal ataque não passou incólume ao mundo desportivo, em particular, à FIFA e à UEFA. Assim, no dia 28 de fevereiro de 2022, através de um comunicado oficial, a entidade que governa o futebol mundial, em conjunto com a sua confederação europeia, anunciou a suspensão imediata da participação de todas as equipas russas, nas competições por si organizadas. Esta decisão, claro está, desagradou profundamente à Federação Russa de Futebol, tendo esta prontamente demonstrado a sua intenção de recorrer.
Nesse preciso contexto, no dia 8 de março de 2022, agindo em conformidade com o disposto nos artigos 57.º dos Estatutos da FIFA e 62.º dos Estatutos da UEFA, assim como com o artigo R47 do Código do Court of Arbitration for Sport (CAS), a Federação Russa de Futebol recorreu das decisões supramencionadas para o referido tribunal arbitral sediado em Lausanne, na Suíça, requerendo a anulação das referidas decisões, alegando falta de fundamento legal, mais requerendo a suspensão imediata da sua execução, isto nos termos do artigo R48 do Código do CAS, por forma a possibilitar a reintegração das equipas russas nas competições das quais foram excluídas e das quais se destacam o Campeonato do Mundo de 2022 e a atual edição da Liga Europa.
Contudo, nos dias 15 e 18 de março de 2022, o presidente da Divisão de Recursos do CAS rejeitou os referidos pedidos de suspensão de efeitos (Nota: cujos fundamentos não foram ainda tornados públicos), mantendo assim, respetivamente, a execução das decisões proferidas pela UEFA e FIFA, i.e. de suspender todas as equipas russas de participarem nas competições tuteladas por tais organismos.
Ambos os processos de arbitragem encontram-se, assim, a correr termos, sendo que, de acordo com o comunicado de imprensa emitido pelo CAS, permanecem ainda por constituir os colégios arbitrais em ambos os processos, independentemente de já estar a decorrer a fase de alegações escritas.
Em última instância, das decisões que vierem a ser proferidas pelo CAS, caberá recurso para o Tribunal Federal Suíço, nos termos dos artigos 190.º a 192.º do Federal Act on Private International Law e artigo 77.º, n.º 1, al. a) da Lei do Tribunal Federal. Cumpre, contudo, esclarecer que qualquer eventual recurso apenas poderá visar, de acordo com o artigo 190.º, n.º 2 da referida norma federal suíça, as seguintes questões: a) a nomeação ou constituição, respetivamente, de árbitro ou colégio arbitral; b) a aceitação de jurisdição por parte do tribunal quando não a tenha, e vice versa; c) se o tribunal arbitral conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar; d) quando haja violação do princípio da igualdade ou o direito de audiência das partes não tenha sido respeitado; e, por último, e) quando a decisão atacada seja incompatível com a ordem pública.
Resta, portanto, aguardar pelas decisões do CAS, sendo certo que qualquer uma que venha a ser proferida já não o será em tempo útil de prevenir os graves prejuízos desportivos entretanto sofridos pelas equipas russas, na medida em que as competições das quais foram suspensas, já, muito provavelmente, terão findado.
Confrontados com um processo de tal forma sensível, por ser impossível de dissociar da inacreditável tragédia humana que assola a Ucrânia em pleno século XXI, podem-se compreender tais decisões preliminares do CAS, funcionando enquanto mais uma forma de pressionar o regime de Putin a restaurar a paz. Já do ponto de vista estritamente legal, tais decisões aparentam ser algo questionáveis.
Aguardemos então pelos próximos capítulos, nomeadamente, o que o Tribunal Federal Suíço determinará em sede de recursos, caso, claro está, lá se chegue.
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