"Foi evidente que a CGD não foi gerida de forma sã e prudente na concessão dos créditos", esta é a primeira conclusão do projeto de relatório da II comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD), que está a ser apresentado esta segunda-feira, no Parlamento, pela voz do deputado do CDS João Almeida.
O relatório preliminar da comissão de inquérito à CGD considera que o banco público não foi gerido de forma prudente e que o Banco de Portugal pôs em causa a utilidade da supervisão na forma como exerceu os seus poderes.
Sobre a atuação do Banco de Portugal (BdP), é dito que a supervisão do sistema financeiro foi feita "de forma burocrática, não procurando olhar para além dos rácios de solvabilidade e níveis adequados de liquidez, de cada banco, e não percebendo o risco sistémico de algumas operações".
"A supervisão seguiu acriticamente as notas técnicas dos serviços do BdP, não exigindo mais informação do que aquela fornecida, demonstrando mais receio no confronto jurídico com os supervisionados do que com a possibilidade de erros ou fraudes", lê-se no Projeto de Relatório Final à II comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização e Gestão do banco, conhecido esta segunda-feira e que ainda pode sofrer alterações.
Segundo o deputado relator, o Banco de Portugal "não seguia os problemas detetados, assumindo que as suas orientações eram executadas, o que muitas vezes não acontecia", e teve "uma confiança extrema nas linhas internas de defesa das instituições", caso de direção de risco, auditoria, administração, assim como nas "externas", os revisores e auditores, pelo que mesmo "nem perante reparos, ênfases ou denúncias públicas, atuou com celeridade, colocando assim em causa a utilidade da sua supervisão".
Segundo a sua análise, apesar de o banco central se ter preocupado com o modelo de governação dos bancos, não se preocupava com a sua operacionalidade. Criticou também a forma como fazia o registo dos administradores, em que se avalia nomeadamente a sua idoneidade, considerando que era feito em modo "pró-forma", sem avaliar "o comportamento dos administradores, a concretização da segregação de poderes, nem a falta de discussão dentro dos conselhos".
Estas são algumas das 27 conclusões que fazem parte do relatório preliminar da Comissão de Inquérito à gestão da CGD entre 2000 e 2015, que hoje será apresentado pelo deputado relator e discutido pelos restantes deputados que compõem esta comissão. Cada grupo parlamentar poderá apresentar alterações.
Governo deve estar mais presente
O relatório preliminar da Comissão de Inquérito à CGD recomenda que o Governo, enquanto representante do Estado, tem de exercer o papel de acionista "de forma presente" e defende que é necessária uma reflexão do BdP sobre a sua atuação.
"Não pode bastar nomear a administração e aferir resultados quantitativos", lê-se no documento da auditoria do deputado do CDS-PP João Almeida.
Sobre o BdP, uma das entidades a que são feitas significativas críticas neste relatório, considera que este deve "realizar uma reflexão transparente sobre a atuação da supervisão portuguesa na crise financeira, assumir os erros e as lições aprendidas, assim como promover uma maior transparência da sua atuação, resultados e consequências".
O deputado relator recomenda ainda que, de futuro, a supervisão do Banco de Portugal também incida "sobre a cultura, o comportamento e as dinâmicas internas que afetam o desempenho das instituições financeira", pois considera "fatores essenciais para a responsabilização ética, a reputação dos bancos e a confiança no sistema financeiro".
É mesmo recomendado que a "reforma da supervisão deve ser uma prioridade" na próxima sessão legislativa.
Há ainda recomendações dirigidas à CGD, defendendo o relatório preliminar que esta tem de fazer o apuramento das "responsabilidades dos processos ruinosos" e de utilizar "todos os meios legais para se ressarcir das perdas".
Por fim, é recomendado que o banco público tome medidas para não repetir os erros do passado e as fortes perdas que daí resultaram.
Esta comissão de inquérito arrancou em março, tendo o empresário Joe Berardo, grande devedor da CGD, e o ex-governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio sido os protagonistas.
Relatório segue agora para a Procuradoria-Geral da República
O deputado relator João Almeida salientou que a comissão parlamentar teve "acesso a inquéritos que correm termos neste momento", e que "o aprofundamento de algumas dessas matérias e outras poderão ter relevância criminal" que justificam o envio do relatório à Procuradoria-Geral da República.
Neste sentido, o deputado saudou ainda o novo regime dos inquéritos parlamentares, que "permitiu muito mais acesso" a informação do que em outras comissões.