Em entrevista à Lusa, a académica considera que por se ter adquirido "a consciência de um risco de disrupção ao nível dos fornecimentos, até dos bens mais básicos", a crise económica causada pela covid-19 está a pôr-nos "perante um muro, uma coisa que nunca imaginámos".
"O Banco Mundial tem alertado imenso para situações como pandemias, para a questão dos riscos naturais, que são situações de completa disrupção do sistema, e as nossas economias não estão preparadas para isso, porque o nosso cérebro também não está", sustentou.
Para Susana Peralta, a geração que está a viver a pandemia de covid-19 é a da "vacinação em massa e do saneamento básico", ou seja, "não viveu" com situações como a atual, o que pode levar a uma nova "consciencialização".
"Cada vez mais vai haver mais surtos de vírus como estes e catástrofes naturais, até em face da emergência climática, portanto só nos podemos proteger disso criando excesso de capacidade, tendo 'stocks'", argumentou.
A economista espera que a sociedade perceba que vai "ter de viver com menos em alturas normais, para não ter estes cortes gigantescos, estes choques enormes, em momentos de disrupção".
Essa é uma realidade a que as "grandes tendências de gestão nos últimos anos" não correspondem, dado que têm seguido abordagens de "gestão da eficiência, minimização dos 'stocks', que têm um custo elevado, ou eficiência para a utilização dos recursos", para evitar o excesso de capacidade e ter capital "empatado em 'stocks'".
Há também um incentivo "para ir à procura de fornecimentos no 'fim do mundo' se isso fizer poupar alguns euros, desde que se compensem os custos do transporte", algo dentro da lógica das "cadeias de valor globais, em que cada coisa tem um 'input' de cada continente".
"Nunca imaginámos que paracetamol nas farmácias fosse um desafio porque a molécula de paracetamol é produzida na China", exemplificou Susana Peralta, lembrando que a "União Europeia já está com uma agenda de pensar em setores estratégicos" para mitigar um risco "que é muito existencial à própria espécie" e que a "ultrapassa".
A académica observou ainda que, em termos de gestão e previsão do risco, as maiores empresas têm maior capacidade do que as pequenas, algo a que Portugal está mais exposto, dado que as empresas mais pequenas, grande parte do tecido empresarial nacional, "têm muitas vezes falta de quadros com formação suficiente".
Noutro aspeto futuro, a economista mostra-se expectante face ao que o "poderosíssimo poder do dinheiro" pode fazer, por exemplo, no campo da publicidade, "quando os 'marketeers' nos quiserem pôr a consumir desenfreadamente" depois da pandemia de covid-19.
"As rendas geradas pelo consumismo e pela procura do lucro fácil são tão grandes, que nós vamos ser inundados com 'marketing' a tentar-nos a voltar rapidamente ao que era o nosso mundo 'pré-covid'", prevê a professora universitária.
Antecipando que os comportamentos vão "depender muito da consciência de cada um", a crise pode, também, servir para "nos consciencializar ao nível do risco climático".
"Estamos agora, por uns momentos, a poupar o planeta, e era muito interessante usarmos isto para uma reflexão", percebendo "o que podemos guardar [da crise] para proteger o planeta", afirmou.
Noutro ângulo, a economista realçou que se há algumas coisas que "claramente" não é possível guardar, como "ter os mais pobres em casa sem trabalhar", há outras que se podem guardar desta crise, como "mais teletrabalho ou mais conciliação entre família e trabalho".