O recurso ao teletrabalho foi acelerado em março com o início do surto de covid-19 que obrigou ao primeiro confinamento geral e, no final do segundo trimestre de 2020, um milhão de pessoas (23,1% da população empregada) estava em trabalho remoto, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
No terceiro trimestre de 2020, já com menores restrições impostas pelo Governo, o número de teletrabalhadores caiu para 682 mil (14% da população empregada).
Em outubro e novembro, devido à evolução da pandemia, o teletrabalho voltou a ser obrigatório, salvo oposição fundamentada pelo trabalhador, mas queda do número de teletrabalhadores acentuou-se e, no final do ano, havia 597,5 mil pessoas em trabalho remoto (11,6% da população empregada).
No início de 2021, com o novo confinamento geral, o teletrabalho voltou a ser obrigatório para todas as funções compatíveis, não havendo ainda números, sendo que na administração pública há agora 45 mil funcionários a trabalhar à distância, contra 68 mil registados em setembro, sendo o universo potencial de trabalhadores com funções exequíveis 70 mil.
Apesar de o número de teletrabalhadores ter vindo a cair, o teletrabalho "veio para ficar, nomeadamente em modalidades mais híbridas" diz à Lusa o professor de Economia da Universidade do Minho, João Cerejeira.
"Quando se resolver a pandemia, o recurso ao teletrabalho, que agora acelerou, é capaz de cair, mas não há dúvida de que vai ficar a um nível muito maior do que era a tendência anterior", vinca o economista.
João Cerejeira considera que há mais vantagens do que desvantagens tanto para o trabalhador como para as empresas, mas é preciso regular na lei o regime laboral.
"A legislação é muito vaga e tem de ficar definido quem é que paga o quê, a questão da conciliação da vida familiar e laboral, que horário cumprir, a forma de monitorizar o trabalho ou a avaliação", defende o economista.
O tema do teletrabalho está na Concertação Social e, do lado das empresas, a secretária-geral da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), Ana Vieira, faz um balanço "genericamente" positivo, "tendo em conta que a necessidade de ajustamento foi muito rápida", obrigando a investimentos em equipamentos informáticos e 'software' para permitir que as empresas conseguissem funcionar com normalidade.
Ana Vieira considera que "nalgumas situações" registou-se uma redução de custos de funcionamento para as empresas e ganhos de produtividade, mas sublinha que o prolongamento da situação, nomeadamente com o encerramento das escolas, "tem efeitos negativos e começam a ser evidentes alguns sinais de cansaço que se refletem naturalmente na produtividade".
Também Sérgio Monte, dirigente da UGT, afirma que, na primeira vaga da pandemia, "houve consenso geral de que o teletrabalho aumentou a produtividade" uma vez que "os teletrabalhadores trabalharam muito mais em casa do que em modo presencial, dado que o direito a desligar e o cumprimento rigoroso dos horários de trabalho nem sempre estiveram presentes".
No entanto, diz o dirigente da central sindical, "algumas empresas e até o Estado na administração pública, nesta segunda fase, já recorreram menos ao teletrabalho por dizerem que o trabalho presencial, afinal, é mais produtivo", acentuando, contudo, que "não há ainda nenhum estudo sobre isto".
Tanto o dirigente sindical como a dirigente patronal, o teletrabalho vai continuar a ser uma realidade no futuro, embora "nuns casos na totalidade, noutros casos em moldes mais variáveis, alternando teletrabalho e trabalho presencial", afirma Ana Vieira.
"Por vezes, para motivar equipas e melhorar o trabalho em rede, para acolher novos trabalhadores ou em processos de mudança pode ser vantajoso a presença física dos colaboradores", defende Ana Vieira.
A dirigente da CCP refere também que há setores que permitem mais facilmente a adoção do teletrabalho, dando como exemplo "atividades de consultoria, centros de serviços às empresas".
"Em outras atividades, o teletrabalho tem-se cingido a departamentos ou secções de empresas, incluindo as comerciais", acrescenta.
Também Sérgio Monte considera que a adaptação ao teletrabalho "funcionou bem de uma forma geral em todos os setores", embora realce que "funcionou muito melhor nos setores administrativos onde as profissões e tarefas são mais exequíveis de serem exercidas em regime de teletrabalho e à distância".
Para ambos os responsáveis que têm assento na Concertação Social, não há, no entanto, necessidade de alterações laborais de fundo para regulamentação do teletrabalho, defendendo antes que o tema deve ser discutido em negociação coletiva.
"Em nosso entender não se justificam alterações [à lei laboral]", afirma a dirigente da CCP, sublinhando que "aspetos mais pontuais ou algumas especificidades poderão ser resolvidas através da negociação coletiva".
Também o sindicalista defende que "o instrumento privilegiado para regulamentar o teletrabalho, na ótica da UGT, é a negociação coletiva".
No entanto, Sérgio Monte acrescenta que são necessárias "algumas alterações", mas que estas "não poderão ir muito mais longe do que definir muito bem os princípios e critérios que se devem adotar".
O Governo está a elaborar o Livro Verde sobre o futuro do trabalho, que servirá de base para a regulamentação do teletrabalho e de outras situações laborais.
Em novembro, o secretário de Estado Adjunto do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita, disse que o Livro Verde ficaria concluído até final do ano, mas até agora ainda não foi apresentado.
Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 02 de março de 2020, enquanto a primeira morte foi comunicada ao país em 16 de março. No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência de 15 dias, que previa o confinamento obrigatório e restrições à circulação na via pública em Portugal continental.
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