Ninguém parece acreditar que tudo voltará a ser como dantes, pelo menos na área do trabalho, e parece ser consensual que há coisas que vieram para ficar.
A pandemia provocou uma disrupção na organização do trabalho, forçando-o a ficar em casa, mas, mais importante, terá um impacto a longo prazo, com as atenções a virarem-se agora para a regulamentação, a proteção social, os direitos dos trabalhadores e a adaptação das empresas.
Na segunda pesquisa Eurofound "Living, Working and Covid-19", divulgada em julho de 2020, um terço dos trabalhadores da União Europeia já trabalhavam apenas em casa.
Se ao teletrabalho exclusivo se juntar o teletrabalho parcial, a percentagem sobe para metade da força de trabalho europeia, "um crescimento exponencial" em relação aos cerca de 10% que o faziam antes da crise.
Acresce que cerca de um terço dos empregos europeus são teletrabalhados, o que deixa antever que o 'novo normal' venha a ter "um nível mais alto de trabalho remoto", reconhece a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), no documento de enquadramento da conferência de alto nível "Trabalho remoto: desafios, riscos e oportunidades", que decorre na terça-feira, em formato virtual.
Segundo um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresentado em janeiro, antes da pandemia trabalhavam em casa cerca de 260 milhões de pessoas em todo o mundo, mas este número "aumentou substancialmente" e tornaram-se visíveis "as deficientes condições" em que os trabalhadores desenvolvem a sua atividade laboral.
No mesmo relatório, a OIT alertava que quem trabalha em casa não tem a mesma proteção social - as disposições existentes estão moldadas às relações de trabalho tradicionais --, sindicalizando-se e participando coletivamente menos.
O impacto que a pandemia de covid-19 terá no mercado de trabalho não deixará ninguém de fora, mas, como em qualquer outra crise, afetará mais os mais vulneráveis, entre os quais as mulheres.
Desde logo porque a precariedade recai mais sobre as mulheres e porque os setores de produtividade mais afetados têm uma predominância feminina (saúde e cuidado, retalho, restauração e hotelaria).
Mas também porque a pandemia impôs outras duas circunstâncias que tudo complicaram mais ainda: as mulheres deixaram de ter a retaguarda da família mais alargada e o teletrabalho empurrou-as para dentro de casa, onde acumulam tarefas domésticas e de assistência aos filhos.
"O recente aumento maciço do trabalho remoto [que inclui o teletrabalho e novas formas de trabalho] evidenciou as vantagens potenciais, mas também os limites e riscos associados ao teletrabalho, como as condições de trabalho e saúde e segurança; o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal dos trabalhadores; a necessidade de garantir o direito à privacidade; e os limites indefinidos entre os tempos de trabalho e de descanso", nota a presidência portuguesa, à frente do Conselho até final de junho.
No documento, realça-se que a "relativa invisibilidade e dispersão dos trabalhadores" não favorece "o cumprimento das regras laborais" e que o teletrabalho apresenta mais "riscos de isolamento", que dificultam a organização coletiva dos trabalhadores e a reivindicação de direitos laborais.
Além disso, os teletrabalhadores têm duas vezes mais probabilidade de trabalhar durante o tempo livre e descansam menos do que os trabalhadores que se deslocam para o local de trabalho.
Por outro lado, o trabalho remoto requer "o acesso adequado a equipamentos e serviços" e "condições adequadas para a execução das tarefas de trabalho.
Sublinhando que o teletrabalho "permitiu que as empresas continuassem à tona durante a crise, mas também ajudou os trabalhadores a manterem o seu emprego protegendo a sua saúde", a presidência portuguesa reclama "uma reflexão cuidadosa para o futuro".
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