A entrevista do professor catedrático e antigo presidente da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa foi feita antes de ser conhecida a decisão de Portugal, Espanha e França de avançar com um "Corredor de Energia Verde", por mar, entre Barcelona e Marselha e pouco menos de mês do Mundial de Futebol no Qatar.
"Que vai haver um reforço nas relações entre o Qatar e a Europa? Sim, até porque grande parte dos países produtores de petróleo e de gás natural tem as suas aplicações financeiras, que é a sua sustentabilidade futura", em empresas europeias e norte-americanas.
No caso europeu, diz, essa relação já existe, danto o exemplo do 'boom' imobiliário em Chelsea, Mayfair ou Knightsbridge, em Londres, que é "metade" qatari.
Já no caso português, "Portugal é um país que não está no mapa para o mundo árabe. Não está, nunca esteve", assevera, referindo que teve a "hipótese de o ser, mas não conseguiu atrair nada ou algo de substantivo".
Há algumas décadas conseguiu atrair uma participação de mais de 2% da argelina Sonatrach para o capital da EDP, recorda.
"Mas nada de relevante", sintetiza, no entanto, "o Qatar vai ter importância para Europa e a Europa vai precisar do Qatar", prossegue.
Neste âmbito, "Portugal é o peão mínimo. Mínimo, que às vezes em Portugal pintamos não sei se de cor de rosa" aponta.
Instado a comentar sobre a possibilidade do porto de Sines ser relevante para entrada de gás do Qatar, por exemplo, Ângelo Correia afasta esse cenário e sublinha que há portos mais estratégicos.
"O cenário, imaginando que vamos ter um papel relevantíssimo, não vamos. Não vamos, é subalterno e subsidiário", diz, explicando que o LNG [Liquefied Natural Gas, em inglês], gás natural líquido vem a temperaturas de -140 graus e a pressões de 160 bares.
Portanto, "comprimido na forma líquida, sai do Qatar, vem através do Golfo do Suez" e entra no Mediterrâneo. Ora, "antes de chegar a Portugal passa em alguns sítios fundamentais" como Itália e França, sendo que o desembarque do LNG poderia acontecer em território francês, prossegue.
"Mas, supondo que chega à Península Ibérica, antes de chegar a Sines passa em Barcelona" - sendo que Espanha tem cerca de meia dúzia de unidades de gaseificação -, "logo, é preciso que Portugal tivesse uma estação de gaseificação, que é curta", pelo que tinha de "aumentar muito mais", elenca.
Em segundo, "tínhamos que competir em preço com entidades que já existem - seis ou sete em Espanha - que estão subaproveitadas e como estão subaproveitadas, isto é, foram dimensionadas para grandes quantidades, não é utilizado. Mas os custos já lá estão todos incorporados", recorda.
Além disso, admite, o preço de transfega - transferência do gás do metaneiro para uma rede de 'pipelines' - poderá ser "mais barata em Espanha".
Ou seja, "temos que fazer contas porque nestes negócios não há apenas uma visão geopolítica, nem uma visão de amizade: há custos, há preços e há lucros" e, nesse sentido, o Qatar, ou a proprietária do gás que vem do Qatar, e o destinatário vão ter de fazer contas.
E portanto, "eu acho que as contas em Espanha podem ser mais baratas que em Portugal, do que em Sines", sublinha.
Agora, Sines tem o seu papel? "Tem, mas é capaz de ser mais útil para gás, por exemplo, da Nigéria" e, "se calhar também, nos Estados Unidos".
No entanto, "chegar a Sines ou chegar a Amesterdão ou Antuérpia ou outro porto europeu é capaz de ser mais barato e mais rápido", admite Ângelo Correia, ressalvando que é preciso fazer as contas.
"Mas não tenho é a ilusão de que Sines é uma grande alternativa. É uma alternativa pequena, à nossa escala. E não mais do que isso", remata.
Leia Também: Sines lidera consórcio para transição digital de transportes e logística