No relatório "Financiamento do Desenvolvimento em tempos de incerteza: o contributo da Cooperação Portuguesa", que será apresentado hoje na Assembleia da República, recorda-se a meta de 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB), que os países desenvolvidos devem dedicar até 2030 à Ajuda Pública ao Desenvolvimento dos mais frágeis.
No documento, pode ler-se que Portugal continua a ser "um dos países da OCDE que menos percentagem do rendimento dedica à cooperação com os países em desenvolvimento -- tendo, em 2021, fixado a sua contribuição em 0,18% do Rendimento Nacional Bruto (RNB), muito longe do compromisso internacional de dedicar 0,7% do RNB para APD até 2030".
Além disso, dentro dos países que aderiram à Comunidade Económica Europeia (CEE), apenas a Grécia regista valores de APD inferiores aos reportados por Portugal, acrescenta-se.
"Comparando com os outros Estados-membros da União Europeia (UE), o volume da APD portuguesa em percentagem do RNB situa-se ao nível dos países do alargamento (UE-13), estando abaixo da maioria dos restantes países, pois só a Grécia apresenta um rácio APD/ RNB mais baixo no grupo dos países UE-15", lê-se na síntese do documento.
Por isso, no relatório considera-se que "é importante que Portugal continue a defender e reafirmar a meta global de 0,7% do RNB, a nível nacional e internacional, na medida em que isso exprime a relevância conferida ao compromisso político para com os países parceiros e para com o desenvolvimento global".
Até porque, em termos de quantidade, "apesar do aumento ligeiro e progressivo do volume da APD portuguesa entre 2016 e 2021, o 'gap' para chegar à meta de 0,7% do RNB foi-se tornando maior, uma vez que o aumento deste fluxo não acompanhou o crescimento do RNB em período de recuperação económica".
Ora, "a manterem-se as tendências atuais de evolução da APD portuguesa (...) o crescimento será modesto nas próximas décadas", conclui-se.
Alertando que o compromisso político relativamente a metas e o estabelecimento de metodologias concretas para o efetivar são, portanto, "dois fatores essenciais para que a calendarização de crescimento da APD, prevista na nova Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 (ECP 2030), possa ser concretizada".
Tal implica apostar na "definição de um compromisso de aumento progressivo dos fluxos financeiros públicos para o desenvolvimento e na concretização de um calendário concreto e realista para esse crescimento da APD", como defendeu a OCDE no último exame pelos pares à cooperação portuguesa, aponta-se.
No documento recorda-se também que nos países membro da OCDE os valores de APD registados em 2021 assentaram numa componente "particularmente elevada de ajuda inflacionada" que não implica um "esforço real por parte dos doadores".
No caso de Portugal, "entre o alívio de dívida, os montantes destinados ao apoio a refugiados e a bolsas de estudantes dentro das fronteiras dos próprios países desenvolvidos, e a doação de doses excedentárias de vacinas covid-19, os valores globais de ajuda inflacionada no âmbito da APD bilateral portuguesa atingiram 71% do seu total. Isto significa que apenas 29% da ajuda bilateral portuguesa foi, efetivamente, direcionada a apoiar o desenvolvimento dos países parceiros -- comparando com os 44% registados em 2020", sublinha-se no documento.
Para a Presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD, Ana Patrícia Fonseca, "o Orçamento do Estado para 2023 prevê medidas importantes, como o aumento das verbas para o Camões, I.P. e a melhoria dos processos de planeamento orçamental", pelo que confia que este seja "um passo importante para reforçar o papel de Portugal na construção de um mundo mais justo e sustentável assente no amplo apoio da população portuguesa demonstrado pelo Eurobarómetro sobre Cooperação para o Desenvolvimento".
Desde a publicação do último relatório de monitorização da Cooperação Portuguesa, em 2019, o contexto global mudou significativamente, lembrando-se no relatório "os efeitos cumulativos de várias crises a nível global -- climática, alimentar, de segurança, de democracia e liberdades fundamentais --, exacerbados pelos efeitos da pandemia e agravados pela invasão da Ucrânia".
Segundo o relatório, "a confluência de crises e os múltiplos impactos da pandemia contribuem também para o reforço das diversas causas da fragilidade estrutural, sendo que os contextos de fragilidade têm aumentado no mundo, representando atualmente cerca de 24% da população mundial e 73% das pessoas em situação de pobreza extrema".
As conclusões do relatório serão apresentadas hoje no seminário "A Cooperação Portuguesa em tempos de incerteza: que espaço para a solidariedade?", que decorrerá na Assembleia da República e que contará também com um debate entre partidos com assento parlamentar, além das intervenções do presidente do Camões -- Instituto da Cooperação e da Língua, João Ribeiro de Almeida, do Presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável, Jorge Moreira da Silva, e do Presidente do Conselho Executivo da Rede Intermunicipal de Cooperação para o Desenvolvimento, Francisco Rocha Gonçalves.
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