A controvérsia em torno da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa continua e o episódio mais recente tem a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Ramalho, como protagonista, depois de ter estado na Assembleia da República para explicar a exoneração de Ana Jorge e anunciar Paulo Alexandre Sousa como o novo provedor da instituição. Fique a par dos principais pontos desta audição.
A audição da ministra na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, a pedido dos partidos Iniciativa Liberal e Partido Socialista, ficou marcada por inúmeras críticas. A governante acusou a provedora exonerada da Santa Casa de Lisboa "de ter encontrado um cancro financeiro, mas que tratou com paracetamol", apontando que a situação financeira piorou com Ana Jorge.
Maria do Rosário Ramalho reiterou que não se tratou de uma exoneração política, mas antes justificou que teve a ver com a "situação gravíssima" da instituição e o facto de a Mesa não ter tido a atuação adequada perante essa situação.
A ministra apontou que, assim que tomou posse, procurou inteirar-se da situação financeira da SCML, tendo "confirmado" que, além de uma "situação gravíssima", havia "divergências entre os membros da Mesa", que levou à quebra da relação de confiança com a provedora.
Referiu as quebras nos jogos sociais e também a suspensão do negócio de venda do hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, para a qual a provedora Ana Jorge não terá apresentado qualquer fundamento.
Maria do Rosário Ramalho disse ter-se reunido com a provedora Ana Jorge em 12 de abril, sem que esta tivesse apresentado qualquer plano de reestruturação, e que, antes disso, reuniu-se com a anterior ministra Ana Mendes Godinho, à qual pediu informação sobre a Santa Casa porque "estranhamente este tema, apesar de escaldante, não constava da pasta de transição".
Relativamente à internacionalização dos jogos sociais, Maria do Rosário Ramalho disse que a anterior provedora suspendeu o processo "sem um plano de desinvestimento que pudesse mitigar as contingências da mesma hora".
Auditoria à Santa Casa Global estava "fechada num cofre"
Maria do Rosário Ramalho revelou, na mesma audição, que encontrou a auditoria à Santa Casa Global, por causa da internacionalização dos jogos sociais, "fechada num cofre" no Ministério.
Aos deputados, a governante disse que a pasta de transição que recebeu de Ana Mendes Godinho "estava vazia" no que diz respeito a esta matéria.
Afirmou ter questionado a anterior ministra sobre o assunto e que as explicações lhe foram dadas oralmente, tendo sido também nessa altura que ficou a saber que tinha sido pedida uma auditoria forense ao projeto de internacionalização dos jogos sociais, ou seja "uma auditoria de pesquisa de ilegalidades sobre a ação da Santa Casa Global".
Segundo a ministra, Ana Mendes Godinho referiu que essa auditoria era "um documento classificado" a pedido da própria, pelo facto de o documento ter seguido para o Ministério Público.
"Não tem a ver com sigilo, tem a ver com a classificação do documento e por isso a auditoria está fechada num cofre no ministério, cujo acesso demorou um bocadinho a chegar lá", adiantou Maria do Rosário Ramalho.
Revelou ainda que pediu um parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para saber como proceder neste caso.
Ministra acusa ex-provedora da Santa Casa de ter ocultado aumentos
A governante criticou também que os custos com pessoal tenham aumentado em cerca de 11 milhões de euros de "2023 para cá" e acusou Ana Jorge de ter ocultado aumentos na ordem dos 20% a médicos e enfermeiros da instituição, comprometendo a Santa Casa com encargos futuros.
A ministra disse que lhe pareceu "muito bem" a negociação com os sindicatos para um Acordo de Empresa, mas chamou a atenção que isso pressupõe que "uma empresa em restruturação aumente em média os trabalhadores 6,2%.
"A senhora provedora ocultou-me a informação de que fez dois acordos, com o pessoal de enfermagem e os médicos que prevê um aumento de 20%, 10% no ano de 2024 e mais 10% no ano de 2025", revelou Maria do Rosário Ramalho. "Compromete a Santa Casa para encargos futuros", criticou.
Governo escolhe Paulo Alexandre Sousa para provedor da Santa Casa (e (nova) polémica não tardou)
A ministra viria a anunciar que o economista Paulo Alexandre Sousa foi o escolhido para assumir as funções de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, justificando esta escolha com a experiência em gestão e na área social.
Pouco depois, nascia a primeira polémica em torno do nome. Segundo a CNN Portugal, o gestor escolhido para suceder a Ana Jorge foi multado no valor de 2.900 euros e inibido de exercer funções como presidente do Banco Central de Moçambique em 2019.
Notícias da altura, que foram avançadas pelo jornal Sol e pelo semanário Expresso, davam conta de que em causa estavam infrações e conflitos de interesse.
Em resposta ao Notícias ao Minuto, o Ministério do Trabalho defendeu que este processo já transitou em julgado e lembram que "o visado recorreu desta decisão para o Banco de Moçambique, que não levantou o efeito suspensivo".
"O doutor Paulo Alexandre de Sousa recorreu por via judicial tendo sido ilibado, com trânsito em julgado, em 2020. Esta decisão do poder judicial moçambicano comprova que o novo provedor tem a idoneidade, capacidade e competência necessária para exercer este cargo", esclareceu o Ministério em comunicado.
BE junta-se a Chega e IL e também vai pedir comissão de inquérito à gestão da Santa Casa de Lisboa
No fim da audição da ministra do Trabalho, o Bloco de Esquerda anunciou que vai pedir a constituição de uma comissão de inquérito à gestão da Santa Casa, à semelhança do Chega e da Iniciativa Liberal, por causa dos investimentos "ruinosos" ligados à internacionalização dos jogos sociais.
"Investimentos que se revelaram desastrosos e nós queremos conhecer em detalhe esses investimentos", disse o deputado José Soeiro, em declarações aos jornalistas, no final da audição.
O deputado do Bloco de Esquerda disse querer olhar com cuidado para a auditoria que foi pedida aos investimentos da Santa Casa Global, para a internacionalização dos jogos sociais,.
"Primeiro porque queremos conhecer os factos e queremos conhecer quem são os responsáveis, por que foram feitos investimentos de forma tão pouco cuidada e investimentos tão estranhos e tão duvidosos", explicou.
Acrescentou que a segunda razão tem a ver com "uma narrativa que está a ser alimentada" de que a situação causada por essas "más decisões" dos gestores deverá agora repercutir-se nos trabalhadores da instituição.
"Isso, do nosso ponto de vista, é inaceitável e por isso precisamos responsabilizar quem tomou essas decisões", disse José Soeiro.
Recorde-se que a administração da Santa Casa de Lisboa foi exonerada a 29 de abril passado, tendo Maria do Rosário Ramalho justificado a decisão de afastar Ana Jorge e a sua equipa por uma "total inação" face à situação financeira na instituição e por não ter um plano de reestruturação para a inverter, tendo ainda acusado a Mesa destituída de se ter beneficiado a si própria com aumentos salariais.
Ana Jorge tomou posse em 02 de maio de 2023, escolhida pelo anterior Governo socialista de António Costa, e herdou uma instituição com graves dificuldades financeiras, depois dos anos de pandemia e de um processo de internacionalização dos jogos sociais, levado a cabo pela administração do provedor Edmundo Martinho, que poderá ter causado prejuízos na ordem dos 50 milhões de euros
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