"A minha esposa... degolaram-na agora, na machamba [horta]" - estas foram as últimas palavras que Arnaldo ouviu do familiar, que fugia e tentava esconder-se numa cova, pedindo ao sobrinho que não ligasse mais, com medo de que o telemóvel o denunciasse perante os insurgentes armados que passavam, ao invadir a vila.
Seguiu-se o corte nas comunicações móveis, que perdura até hoje, e Arnaldo não soube mais nada de dois tios, um residente na vila e outro contratado por uma das empresas que trabalham para o consórcio liderado pela petrolífera Total.
Arnaldo mora em Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, 250 quilómetros a sul de Palma e da península de Afungi.
Três dias após o ataque à sede de distrito ouve-se o tom de desespero por parte de quem tem familiares a residir na zona e a trabalhar para os projetos de gás de Cabo Delgado.
Arnaldo emociona-se quando diz que ainda esperava ver os seus familiares.
"A minha esperança é que eles voltem vivos para Pemba, principalmente o meu tio que viu a esposa a ser degolada. Não sei o que aconteceu com ele", afirma.
A cova de que o tio lhe falou era um esconderijo previamente preparado pelo casal, uma medida de quem vive numa zona de risco.
O relato do jovem junta-se a outros retratos de terror ouvidos pela Lusa desde quarta-feira.
Um residente que fugiu de Palma, juntamente com outros, disse na sexta-feira que são visíveis corpos de adultos e crianças assassinados nas ruas da sede de distrito.
Segundo o seu relato, ele e outras pessoas foram avançando às escondidas, de rua em rua, evitando as zonas onde se ouvia tiroteio, para assim saírem do perímetro de Palma, chegando a Quitunda, aldeia construída de raiz junto ao recinto do projeto de gás, na quinta-feira à tarde.
Um número incalculado de pessoas está desde quarta-feira a fugir para a península de Afungi.
Um grupo mais restrito, de cerca de 200 cidadãos de diferentes nacionalidades, refugiou-se no hotel Amarula, de onde muitos foram sendo resgatados por terra e mar para a área controlada pela petrolífera Total.
Uma das caravanas foi atacada na noite de sexta-feira e pelo menos sete pessoas morreram, mas fontes que acompanham as operações admitem que o número de baixas esteja subavaliado.
Houve ainda muitos feridos no incidente e um deles é um cidadão português, posteriormente transferido por via aérea de Afungi para Pemba.
O ataque desencadeado na quarta-feira e que hoje entrou no quarto dia é o mais grave junto aos projetos de gás após três anos e meio de insurgência armada à qual a sede de distrito tinha até agora sido poupada.
Fontes contactadas pela Lusa disseram que Palma continuou hoje ocupada por rebeldes armados, enquanto prosseguiam operações para evacuar a vila e também a zona dos projetos na península de Afungi.
O Ministério da Defesa moçambicano anunciou na manhã de quinta-feira que estava no terreno a reprimir a ofensiva rebelde, mas não voltou a dar mais informações.
A Lusa tem tentado desde quarta-feira obter esclarecimentos sobre a situação da por parte da petrolífera Total, mas não obteve resposta.
A violência que grassa desde outubro de 2017 está a provocar uma crise humanitária com quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Algumas das incursões foram reivindicadas pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico (EI) entre junho de 2019 e novembro de 2020, mas a origem dos ataques continua sob debate.
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