"Toda a comunidade de refugiados ruandeses está aterrorizada, está com medo", referiu Cleophas Habiyareme, reiterando as queixas sobre perseguição a opositores do Presidente do Ruanda Paul Kagame, que já em junho tinham motivado uma entrevista da vítima à Lusa.
O empresário ruandês da área do comércio, Revocat Karemangingo, a residir em Moçambique desde 1996 - onde se refugiou após o genocídio no Ruanda em 1994 -, foi morto a tiro perto de casa quando voltava de automóvel, sozinho, de um dos seus armazéns de venda de refrigerante e cervejas, segundo a Polícia da República de Moçambique (PRM).
Revocat terá sido intercetado por volta das 17:30 (16:30 em Lisboa) por duas viaturas, que o bloquearam, a partir das quais desconhecidos fizeram vários disparos.
"No local foram encontrados nove invólucros" de balas de pistola, disse à Lusa Carminia Leite, porta-voz da PRM na província de Maputo, acrescentando que a vítima foi socorrida numa clínica onde foi declarado o óbito.
Segundo o presidente da Associação dos Ruandeses Refugiados em Moçambique, o empresário era alvo de perseguição política desde 2016, quando residia em Boane, a sul de Maputo: escapou a uma alegada tentativa de assassinato e depois disso seguiu-se um processo de "tortura psicológica" contra ele e contra "todos os que eram considerados opositores [do regime] de Kigali", capital do Ruanda.
"Tinha-se a ideia de que ele financiava grupos que se opõem ao Governo. Em 2016 escapou à morte, mas agora não conseguiu", lamentou Cleophas Habiyareme.
Este é o terceiro incidente a envolver cidadãos ruandeses refugiados em Moçambique, este ano, depois do desaparecimento, em maio, do jornalista Ntamuhanga Cassien que residia na ilha de Inhaca, Maputo.
Há menos de um mês, avançou Habiyareme, o secretário da associação e o seu irmão foram alvo de uma tentativa de rapto.
Na entrevista de junho à Lusa, Revocat lamentava o desaparecimento de Cassien, referindo que "o Governo do Ruanda não quer críticas".
Na altura, contava que viu a sua mãe morrer após a explosão de uma bomba no Congo, durante um ataque das forças ruandeses a um campo de refugiados, em 1994, mas acreditava que a história de perseguição "não se ia repetir em Moçambique".
Isto apesar de notar uma aproximação entre os governos de Moçambique e do Ruanda - sendo que, entretanto, tropas ruandesas entraram no país lusófono para ajudar a combater a insurgência armada na província nortenha de Cabo Delgado.
Hoje, todo o cenário leva a comunidade a questionar a sua segurança em Moçambique.
"Eu estou completamente abatido porque este é o terceiro caso" este ano, frisou Cleophas Habiyareme, acrescentando: "Se não há possibilidade de nos protegerem aqui em Moçambique, vamos continuar a fugir".
Apesar do clima de "terror", a associação, que conta com cerca de 4.000 refugiados ruandeses, espera que Moçambique continue a respeitar a convenção de Genebra e os direitos dos refugiados e esclareça todos os casos.
O presidente da associação tem confiança: "O Estado moçambicano não vai aceitar que essa situação continue".
A PRM disse à Lusa que decorrem investigações a cargo do Serviço Nacional de Investigação Criminal.
Líder do Ruanda desde 1994, a Paul Kagamé é atribuído o desenvolvimento do país após o genocídio de tutsis daquele ano, mas o chefe de Estado é também acusado de limitar a liberdade de expressão e de reprimir a oposição.
A organização Human Rights Watch (HRW) acusou no final de março as autoridades ruandesas de estarem a limitar a população que recorre à Internet para se expressar no país, depois de restringirem a liberdade de expressão nos órgãos de comunicação social.
A restrição de liberdades tem também sido denunciada e condenada por outras organizações como a Repórteres sem Fronteiras e a União Europeia (UE).
O genocídio no Ruanda foi responsável pela morte de mais de 800.000 pessoas, principalmente da minoria tutsi, entre abril e julho de 1994.
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