As reportagens da televisão dizem também que pessoas em toda a Rússia estão a apoiar o que o Kremlin chama de "operação militar especial" na Ucrânia, formando filas de carros, nos quais exibem as bandeiras tricolores (branco, azul e vermelho) russas.
Ou os cidadãos se juntam em pátios e formam uma grande letra 'Z' - até aconteceu com crianças com doenças terminais -, que se tornou um símbolo dos militares russos. Ou se reúnem em parques de estacionamento, cantando: "Nós não abandonamos os nossos".
Um pivot do canal estatal Rússia 24 citou os nomes das cidades que realizam essas manifestações. "Petropavlovsk-Kamchatsky, Chelyabinsk, Yekaterinburg, Stavropol, Tula - manifestações em massa em apoio à operação especial ocorreram nestas e em muitas outras cidades em todo o país", assinalou.
Noutro bloco informativo não muito diferente, um repórter adiantou que os motoristas têm colado "as letras 'Z' e 'V', retratadas em viaturas militares russas, nos seus carros em manifestações espontâneas [...] em todas as cidades" do país, como "sinal de solidariedade, apoio e orgulho pela coragem dos soldados russos".
Russian propaganda on state television versus reality. pic.twitter.com/HYTrs6p1ol
— Alexander S. Vindman (@AVindman) March 9, 2022
Demorou vários dias após o início da invasão de 24 de fevereiro para a Rússia preparar a campanha que descreve o que diz ser um amplo apoio público ao ataque que já matou milhares de soldados e civis na Ucrânia e forçou mais de dois milhões a deixarem o país.
Analistas políticos dizem que os russos estão de facto a unir-se em torno da pátria, mas a grande questão é quanto tempo esse apoio vai durar face às sanções do Ocidente incapacitantes e da deterioração das condições de vida, ou se vai acabar por traduzir-se num maior apoio ao Presidente da Rússia, Vladimir Putin.
"Um número significativo de russos percebe [...] como a Rússia se encontra num grande desafio e, nessas condições, não deve fazer frente às autoridades", disse à AP a fundadora do think-tank R.Politikl, Tatyana Stanovaya.
Na tentativa de controlar a narrativa, o Kremlin bloqueou a maioria dos meios de comunicação social independentes russos e forçou os restantes a pararem a cobertura da guerra, com ameaças de acusação e prisão por reportagens que se desviam do critério oficial.
A cadeia de televisão RT anunciou que estava a vender camisolas com a letra "Z" para apoiar as tropas russas.
Autoridades e a televisão do Estado insistem que os soldados russos têm como alvo apenas instalações militares na Ucrânia, culpando quaisquer ataques a civis ao que chamam de "neonazis" no Governo de Kiev, apesar de o chefe de Estado ucraniano, Volodymyr Zelensky, ser judeu.
Para o investigador sénior do Programa Rússia e Eurásia da Chatham House Nikolai Petrov, com fontes de informação independentes canceladas, é mais fácil para os russos acreditarem na retórica do Kremlin.
"É um conforto psicológico para as pessoas. Elas não querem pensar que o seu líder é um criminoso e que está a cometer crimes de guerra. Elas estão mais confortáveis a pensar que o seu Exército vai resgatar alguém do nazismo", disse.
O Kremlin usa há muitos anos a vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazi na Segunda Guerra Mundial como forma de reforçar o sentimento patriótico e tentou aproveitá-lo ao usar a ideia do "neonazismo" como uma ameaça da Ucrânia.
"Sangue, suor, destruição.... Os russos apoiam Putin, mas, devido à gravidade da situação, não há uma mobilização tão incrível como houve em 2014 [durante a anexação da Crimeia pela Rússia]", disse o analista do Carnegie Moscow Center Andrei Kolesnikov.
Nikolai Petrov observou ainda que o apoio ao Kremlin pode diminuir, sabendo que a economia sofre com as sanções ocidentais.
Economistas previram a escassez de bens, preços altos e possível incumprimento de crédito.
"É claro e inevitável que o clima vai mudar. [...] Acho que Putin tem um período de tempo bastante limitado para declarar vitória e trazer o Exército de volta", apontou Nikolai Petrov.
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