Entrar num abrigo antiaéreo e arriscar infetar as pessoas em redor com Covid-19, ou ficar em casa e arriscar ser morto por um míssil russo? Esta é a pergunta com que se debatem vários ucranianos durante a invasão russa ao país.
No final de fevereiro, o habitante de Kyiv Serhii Fokin foi obrigado a tomar esta decisão. O homem acabou por optar pela segunda opção, ficando no corredor do seu apartamento perto de uma parede mestra, passível de resistir a explosões melhor do que outras, conta o Kyiv Independent.
As máscaras e o distanciamento social tornaram-se coisa do passado na Ucrânia desde que a Rússia decidiu invadir o país a 24 de fevereiro. As medidas de restrição recomendadas durante a pandemia foram amplamente negligenciadas pelos ucranianos, que agora estão focados em salvar-se de bombardeamentos constantes e outros ataques. Mas o que é certo é que o vírus não desapareceu.
Quando a ofensiva militar russa começou, apenas 38% dos ucranianos tinham sido totalmente vacinados, segundo o Ministério da Saúde, com mais de 646 mil casos ativos de Covid-19 a ser relatados nesse momento. Apenas um dia antes da invasão, a 23 de fevereiro, mais de 25 mil novos casos de Covid-19 foram registados na Ucrânia.
Segundo a Organização Mundial da Saúde , a Ucrânia está a sair de uma das piores vagas de coronavírus desde o início da pandemia. Como muitos outros países, a Ucrânia experienciou um aumento no número de casos devido à disseminação da variante Ómicron. O pico mais recente foi no início de fevereiro.
Em meados de fevereiro, 60% dos testes à Covid-19 realizados no país deram positivo. Fokin testou positivo ao vírus a 24 de fevereiro, no dia em que a guerra começou, conta o mesmo jornal. Kyiv já estava a ser bombardeada, mas os laboratórios ainda estavam a trabalhar e a fazer testes.
Não informou o médico da família que estava doente porque achava não haver necessidade de tirar licença médica durante a guerra. Além disso, “o médico já tinha muito trabalho”, contou. Ainda assim, Fokin temia que, caso precisasse de assistência médica, fosse impossível obtê-la.
Na segunda noite da ofensiva, Fokin ouviu várias explosões em Kyiv. Viu os vizinhos a correr para os abrigos antiaéreos, visivelmente em pânico. No entanto, por mais assustado que estivesse, juntar-se a eles não era uma opção. Nesse momento estava com uma tosse persistente e o risco de infetar todos no abrigo era muito alto. Além disso tinha medo que o facto de dormir no chão do abrigo piorasse a sua condição, tendo em conta que o corpo estava enfraquecido.
Outra residente de Kyiv, Kateryna Ilchenko, foi infetada num abrigo antiaéreo durante os primeiros dias da invasão. Havia cerca de 30 pessoas a esconder-se do bombardeamento no mesmo espaço. “O espaço era bastante grande, mas quase não havia ventilação”, disse ao jornal.
Depois de ser infetada, continuou a ir para o abrigo após os alertas para ataques aéreos, mas constantemente a usar máscara, referiu.
Especialistas da OMS explicam que a guerra cria condições favoráveis para a propagação de doenças infeciosas, pois os abrigos estão lotados e o acesso aos hospitais é limitado, já que os ferimentos relacionados à guerra tornam-se uma prioridade. Embora a disseminação da Covid-19 na Ucrânia em plena guerra possa parecer um problema local, isso pode afetar o ritmo da pandemia muito além das fronteiras do país.
Recorde-se que a Rússia lançou a 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já causou pelo menos 564 mortos e mais de 982 feridos entre a população civil e provocou a fuga de cerca de 4,5 milhões de pessoas, entre as quais 2,5 milhões para os países vizinhos, segundo os mais recentes dados da ONU. A invasão foi condenada pela generalidade da comunidade internacional que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas a Moscovo.
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