"Vamos continuar a ver a Rússia a expandir a sua influência em África porque encontra aí parceiros disponíveis, estando mais isolada a Rússia vai tentar maximizar todos os apoios que conseguir", disse Joseph Siegle, responsável do programa de pesquisa do CAEE, instituição ligada ao Departamento de Defesa norte-americano e direcionada para os estudos sobre questões de segurança em África.
Joseph Siegle considera que este "é um período de teste e introspeção" sobre as relações entre África e a Rússia, servindo também como um alerta, "uma demonstração clara de que a Rússia não se rege pelas regras do Estado de direito".
"O aprofundamento das relações entre os países africanos e a Rússia tem um elevado nível de risco, temos visto que estas relações são normalmente ao nível das elites, não se trata de investimento russo em África, que representa menos de 1% do investimento estrangeiro direto, inferior ao das Maurícias", observou.
Segundo o especialista, "o que a Rússia tem feito é cooptar os líderes das elites, que são vulneráveis, carecem de legitimidade e muitas vezes estão isolados" e, "por isso, veem com bons olhos o apoio russo", a nível político e de defesa.
No entanto, sublinhou, a Rússia não é um grande potentado económico que vai ajudar estes países a lidar com os seus desafios económicos até porque a economia russa tem estado a declinar.
"A atratividade pela Rússia vai diminuir, exceto para os líderes que queiram desenvolver uma relação assente no clientelismo", considerou o responsável do CAEE.
No caso de Angola, que se mantém próxima da Rússia e da China, as relações com o ocidente têm sido "flutuantes", mas o especialista acredita que a porta se mantém aberta se o país quiser construir laços mais fortes com o mundo ocidental.
"Tanto o ex-presidente José Eduardo dos Santos, como João Lourenço se mostraram relutantes em engajar-se de forma plena com o ocidente, penso que é a Angola que cabe determinar para onde irá conduzir essa relação", salientou Siegle, acrescentando que um maior envolvimento com o ocidente exige também "mais transparência e empenho no Estado de direito, em termos contratuais, e a nível de cooperação elevando padrões internacionais".
Para Joseph Siegle, o impacto do conflito sobre o preço dos combustíveis pode ser também uma oportunidade para África aprofundar as suas parcerias e relações comerciais com a Europa, Estados Unidos da América ou outros países que agora têm um papel secundário, mas é preciso aumentar a confiança dos investidores.
"Os investidores ocidentais precisam de ter confiança que haverá estabilidade em Angola, estabilidade em termos de leis e de respeito pelo Estado de direito, porque se trata de investimentos de longo prazo e, neste momento, não é claro se o executivo de João Lourenço está totalmente empenhado nisso", afirmou.
O investigador apontou também as mudanças a nível dos mercados energéticos, com tendência para se afastarem dos hidrocarbonetos a favor de energias renovais, como outro dos desafios.
"Os países africanos ricos em hidrocarbonetos não podem assumir que o mundo vai continuar a vir ter com eles. No curto prazo, há excesso de procura, mas no médio longo prazo vai declinar e os fornecedores devem continuar a ser um parceiro atrativo", declarou.
Angola, onde os embaixadores europeus expressaram publicamente a sua solidariedade com a Ucrânia, foi um dos 35 países que se abstiveram do voto na resolução da ONU que condenou a invasão russa e que contou com o apoio de 141 dos 193 Estados-membros das Nações Unidas, entre os quais Portugal.
Joseph Siegle salientou que os países africanos não se dividem apenas em dois campos na sua relação com a Rússia, e por isso se expressaram de maneira diferente.
Alguns fortemente alinhados com a Rússia, sobretudo os mais dependentes em termos militares, apoiaram e vão continuar a apoiar o país, outros caminharam por uma via mais independente numa lógica de não alinhamento, outros juntaram-se à condenação internacional.
"Os países africanos não devem ter de escolher lados e não precisam, é perfeitamente razoável que tenham múltiplos parceiros externos, porque têm diferentes interesses. No meu entender, a grande questão que se coloca é se vão atuar segundo as regras do Estado de direito, que visão têm para o mundo, para África, para a ordem mundial", acrescentou o investigador.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já causou pelo menos 726 mortos e mais de 1.170 feridos, incluindo algumas dezenas de crianças, e provocou a fuga de cerca de 4,8 milhões de pessoas, entre as quais três milhões para os países vizinhos, segundo os mais recentes dados da ONU.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
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