Trauma dos deslocados de guerra da Ucrânia são prioridade dos psicólogos

Os traumas de quem foge à guerra é um dos principais problemas de quem recebe os deslocados na Ucrânia, uma primeira abordagem essencial para prevenir problemas a longo prazo.

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Lusa
29/03/2022 06:31 ‧ 29/03/2022 por Lusa

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Ucrânia

"Fazemos o nosso trabalho, mas é muito difícil, porque cada caso é um caso", explica à Agência Lusa a psicóloga Anna Zbaranska, 29 anos, voluntária do centro de refugiados da Câmara de Dnipro, no leste da Ucrânia.

Psicóloga há seis anos, Anna Zbraranska descreve o que vê todos os dias no centro municipal de acolhimento de refugiados, em Dnipro, no leste da Ucrânia, uma cidade de trânsito para onde fogem milhares de deslocados a fugir de cidades bombardeadas como Sievierodonetsk, Mariupol, Kharkiv ou pequenas aldeias que têm sido palcos de combate.

"Muitos deles sentem-se perdidos, muitos saíram de casa só com um robe ou pijama, no meio da noite, outros sem documentos" de identificação, "tinham uma casa, um carro, um cão, e agora querem regressar, mas já não têm nada disso. Está tudo destruído", explica Anna, num intervalo entre as conversas de apoio aos deslocados.

Num país fortemente militarizado, os traumas de guerra eram tabus. "As coisas mudaram depois de 2014 [quando a Rússia ocupou a Crimeia e independentistas com apoio militar de Moscovo conquistaram o leste, em Donbass]. Dantes pensava-se que o stress pós-traumático era uma fraqueza".

Mas, uns anos depois, "a sociedade ucraniana começou a aperceber-se de situação estranhas: gente que tinha medo de estar sozinha, com luzes apagadas ou eram muito assustadas", sublinha Anna Zbraranska. Foi aí que "percebemos que temos um problema real que já dura há oito anos".

Hoje, no centro municipal, "muitas das pessoas que chegam aqui sentem-se perdidas e devastadas porque toda a sua vida foi deixada para trás. Estão numa espécie de ponto zero das suas vidas onde não percebem se alguma vez vão voltar às suas terras natais, muitos deles sonham em voltar e não percebem que não será possível num futuro próximo".

"Muitos precisam em coisas concretas, como refazer as suas vidas, ter um apartamento arranjar um emprego", outros "só querem fugir", explica Anna Zbraranska, que evita tratar os "refugiados como coitadinhos", procurando, em vez disso, "dar ferramentas para reconstruir a vida de novo".

O trabalho diário com pessoas nestas condições é "duro", admite. "Eu sou um ser humano e percebo o quão terrível e doloroso é para eles. Mas, por outro lado, ser um ser humano ajuda-me a gerir as suas emoções".

Iuliia, 22 anos, veio com a sogra, o filho de quatro anos e o sogro de uma aldeia, Stava Kvosngenko, perto de Lughansk.

"Os militares tiraram-nos de lá. Viemos no autocarro e não trouxemos nada", diz, enquanto a mãe a olha resignada, com lágrimas nos olhos, sentada numa cadeira do centro de apoio, um antigo cinema reconvertido.

A diretora do centro, Ana Bradkova, estima que a câmara já deu apoio direto a 80 mil deslocados. "As pessoas chegam aqui e são alojadas em grandes espaços, como supermercados" até "saberem o que fazer a seguir".

"Estiveram em abrigos, uma semana, duas semanas. Alguns casos, três semanas sem ver a luz do dia", "não conseguem sequer falar" e o que "querem é sentir-se seguros", explica.

"É isso que lhes tentamos dar: segurança", salienta.

Membro do conselho municipal de Dnipro responsável pela Educação Patriótica, Anna Bradkova, 35 anos, refere que a Ucrânia "não se preparou para a guerra, mas para defender a paz".

"Somos um país europeu, queremos viajar até outros países, conhecer o mundo. Mas queremos viver aqui, na nossa Ucrânia", afirma.

Anna Bradkova agradece "a ajuda muito importante" do resto do mundo, mas considera que o Ocidente está a fazer pela Ucrânia "não é suficiente" porque "faltam grandes decisões políticas", que levem a Rússia a acabar com a guerra.

"Não compreendo como é que o mundo, em pleno século XXI, pode aceitar uma situação de guerra bárbara e medieval, com civis mortos nas ruas", em "plena Europa", diz a diretora do centro, que não quis levar os dois filhos (8 e 15 anos) para fora de casa. "Dnipro é seguro por agora".

Leia Também: Ucrânia. Sem apoios a crise de deslocados será "uma catástrofe"

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