Brasil. Uma tatuagem de Anitta trouxe ao de cima um escândalo financeiro

A discussão começou quando o cantor de sertanejo usou um anúncio pessoal feito pela Anitta para criticar a Lei Rouanet, "principal ferramenta de fomento à cultura do Brasil" - apesar de também recorrer a outros tipos de financiamento público. O ataque entre artistas abriu uma 'caixa de Pandora' sobre uso indevido de dinheiros públicos.

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© Axelle/Bauer-Griffin/FilmMagic

Márcia Guímaro Rodrigues
30/05/2022 13:13 ‧ 30/05/2022 por Márcia Guímaro Rodrigues

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Uma tatuagem, aparentemente, inocente da artista brasileira Anitta trouxe ao de cima um escândalo financeiro relacionado com a Lei Rouanet (que tem como objetivo apoiar a cultura no Brasil) e a aplicação de verbas públicas em concertos.

O caso teve início a 13 de maio, quando o cantor Zé Neto, da dupla de sertanejo Zé Neto e Cristiano, criticou a cantora e a Lei Rouanet durante um concerto. “Estamos aqui em Sorriso, Mato Grosso, um dos estados que sustentou o Brasil durante a pandemia. Nós somos artistas que não dependemos da Lei Rouanet. O nosso cachê quem paga é o povo. A gente não precisa de fazer tatuagem no ‘toba’ [ânus] para mostrar se a gente está bem ou mal. A gente simplesmente vem aqui e canta, e o Brasil inteiro canta com a gente”, afirmou o artista.

Em causa, está uma tatuagem numa zona íntima de Anitta realizada há vários anos. No ano passado, um vídeo da artista a retocar a marca tornou-se viral.

Os comentários de Zé Neto foram alvo de críticas, tendo várias personalidades e familiares da cantora brasileira saído em sua defesa. Enquanto o youtuber Felipe Neto destacou que o cantor de sertanejo “precisa atacar a colega de profissão para ser notado” e que “tinha de ser minion [nome dado aos apoiantes do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que é manifestamente contra a lei]", o pai de Anitta revelou que Zé Neto “sempre teve problemas unilaterais” com a sua filha.

O cantor defendeu-se e numa publicação nas redes sociais escreveu: “Não falei o nome de ninguém. Mas o engajamento está top. Mete o pau. Desculpa não responder todo mundo, é que tenho 23 shows neste mês. Então, vou descansar aqui. Beijo, pessoal”.

Porém, autor dos comentários também recorre a verbas públicas

No entanto, apesar da explicação, já tinha sido aberta uma ‘caixa de pandora’ no que toca à Lei Rouanet e o uso indevido de dinheiro público. Na rede social Twitter, o jornalista Demétrio Vecchioli revelou que o próprio grupo ‘Zé Neto e Cristiano’, que criticou a lei, também usou verbas públicas, vindas de municípios. Atuou em, pelo menos, oito “prefeituras pequenas, sem licitação”, com recurso a verbas municipais. Só o concerto em Sorriso, no estado de Mato Grosso, custou cerca de 400 mil reais [78 mil euros] ao município.

“Eles são contratados por inexigibilidade. A prefeitura [autarquia] fala: quero contratar a dupla tal. A dupla diz: tem que pagar para a empresa tal, o valor é esse. E a prefeitura vai lá e paga o valor pedido (justo ou não) para a empresa indicada”, explicou o jornalista.

Já ao abrigo da Lei Rouanet, segundo uma explicação de Vecchioli, “o artista pede dinheiro, por exemplo, para montar um álbum. No projeto, ele coloca quanto custa a hora do técnico de som, o aluguel do estúdio, o fotógrafo… apresenta três orçamentos. O governo aprova o valor, e autoriza a pedir doações para empresas, que descontam no Imposto de Renda”.

A lei em causa, formalmente denominada como ‘Lei de Incentivo à Cultura’ e em vigor desde 1991, é a “principal ferramenta de fomento à cultura do Brasil”. “Contribui para que milhares de projetos culturais aconteçam, todos os anos, em todas as regiões do país. Por meio dela, empresas e pessoas físicas podem patrocinar espetáculos - exposições, shows, livros, museus, galerias e várias outras formas de expressão cultural - e abater o valor total ou parcial do apoio do Imposto de Renda”, refere o governo do Brasil. 

Qual é então a diferença entre a Lei Rouanet e as verbas municipais?

“A falta de controlo”, explica o jornal brasileiro A Folha de São Paulo. No primeiro caso, existe um portal onde os cidadãos podem pesquisar os projetos que já foram ou que estão a ser financiados pela Lei Rouanet, já no caso das verbas municipais é “inviável uma pesquisa sobre todas as apresentações contratadas por meio desse financiamento” e é a prefeitura que artistas quer contratar. Não há, inclusive, regras como um limite por cachê.

Através da Lei Rouanet, o artista “precisa de correr atrás do dinheiro”, além de detalhar todos os custos de um projeto. Por exemplo, na realização de uma digressão, é necessário especificar o custo do transporte dos músicos e o aluguer do material de som. O teto por artista baixou de 45 mil reais [nove mil euros] para três mil [588 euros] durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. 

Segundo o jornal, quem mais recorre a esta verba pública são os artistas de sertanejo, "visto que são eles que, diferentemente dos cantores de géneros como o pop, percorrem o Brasil de norte a sul e vão a cidadezinhas do interior para se apresentar em festivais do agronegócio". 

Cantor Gusttavo Lima no centro da polémica

Uma semana após as críticas à Lei Rouanet, o Ministério Público do Estado de Roraima abriu uma investigação a uma contratação do cantor Gusttavo Lima na cidade de São Luiz, fixada em 800 mil reais [157 mil euros]. Sublinhe-se que, de acordo com os mais recentes censos, a cidade é composta por 8.232 habitantes, o que, dividido pela população, cada cidadão estaria a pagar 97 reais [20 euros] pelo concerto.

Outro espetáculo de Gusttavo Lima, previsto para dia 20 de junho, na prefeitura de Conceição do Mato Dentro, foi avaliado em 1,2 milhões reais [235 mil euros], sendo financiado pela Compensação Financeira pela Exploração Mineral, cujas verbas só podem ser utilizadas na educação, saúde e infraestruturas.

Este último fim de semana, a prefeitura anunciou o cancelamento dos espetáculos tanto de Gusttavo Lima e como da dupla sertaneja Bruno e Marrone, justificando que há "uma guerra política e partidária que não tem nenhuma ligação com o município e nem tampouco com a tradicional festa".

Face à polémica, a cantora Anitta recorreu, no domingo, às redes sociais para explicar que a sua intenção era apenas fazer uma tatuagem e não dar início a uma discussão sobre os cachês pagos a artistas de sertanejo. “E eu achando que 'tava só fazendo uma tatuagem no tororó”, ironizou. 

Leia Também: Brasil pediu oficialmente a Portugal trasladação do coração de D. Pedro

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