No bairro Luís Cabral, à entrada da cidade de Maputo, além do intenso fumo negro das barricadas e destruição visível ao início da manhã, vários armazéns foram vandalizados enquanto populares a carregam, à cabeça e com carrinhos de mão, todo o tipo de produtos.
Arroz, bolachas, leite, mas também estantes de madeira, pneus novos e cadeiras, tudo é aproveitado e várias populares voltam depois ao local para tentar levar o que podem, perante o forte aparato policial, que tenta dispersar, sem sucesso até ao momento.
"Estão a tirar arroz, outras cenas. Mas eu não cheguei lá dentro", relata Michael, popular que carrega ele próprio mercadoria, enquanto outros atiram logo de seguida: "Isto já não é Venâncio [Mondlane, candidato presidencial que não reconhece os resultados eleitorais], isto é fome".
Ao lado das portagens de Maputo, militares e polícia assistem à passagem de populares a carregarem todo o tipo de mercadoria, enquanto o fumo continua a sair dos armazéns e das barricadas montadas na área, mas pouco podem fazer face ao enorme número de populares que sai da zona com produtos, a pé, de carro e até carregando em motorizadas.
Noutras zonas da periferia da capital é possível verificar lojas e outros estabelecimentos comerciais vandalizados e saqueados, viaturas incendiadas e destruição pelas ruas, o mesmo acontecendo no vizinho município da Matola, em bares, supermercados, salões de cabeleireiros ou farmácias.
A polícia moçambicana registou 236 "atos de violência grave" em 24 horas, na contestação aos resultados eleitorais, incluindo ataques a esquadras e cadeias, que provocaram 21 mortos, anunciou na terça-feira à noite o ministro do Interior, garantindo o reforço imediato da segurança.
"Ninguém pode chamar, nem considerar, estes atos criminosos de manifestações pacíficas", afirmou esta noite o ministro Pascoal Ronda, em conferência de imprensa em Maputo, num momento de caos generalizado no país, com barricadas, saques, vandalizações e ataques diversos, um dia depois do anúncio dos resultados finais das eleições gerais de 09 de outubro.
O governante revelou que entre essas 236 ocorrências nas últimas 24 horas "em todo o território", incluem-se 25 viaturas incendiadas, duas das quais da Polícia da República de Moçambique (PRM), 11 subunidades policiais e um estabelecimento penitenciário "atacados e vandalizados, de onde foram retirados 86 reclusos", quatro portagens incendiadas, três unidades sanitárias vandalizadas, um armazém central de medicamentos incendiado e vandalizado e dez sedes do partido Frelimo incendiadas.
"Tiveram como consequências 21 óbitos, dos quais dois membros da PRM, 25 feridos, sendo 13 civis e 12 membros da PRM", acrescentou Pascoal Ronda, dando conta que 78 pessoas foram detidas e que a polícia está a investigar os autores morais e materiais destes crimes, que representam um momento "difícil" e "nefasto".
"Diante da gravidade dos eventos registados, o Governo de Moçambique determinou o reforço imediato de medidas de segurança em todo o território nacional e as Forças de Defesa e Segurança [FDS] vão intensificar a presença em pontos estratégicos e críticos", avançou ainda Pascoal Ronda.
O Conselho Constitucional de Moçambique proclamou na tarde de segunda-feira Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar, nas eleições gerais de 09 de outubro.
Este anúncio provocou o caos em todo o país, com manifestantes pró-Venâncio Mondlane - que segundo o Conselho Constitucional obteve apenas 24% dos votos - nas ruas, barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar a desmobilização.
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