"A estratégia de caos cria caos e enfraquece as instituições europeias democráticas. Esse é o seu objetivo [da Rússia]. Por isso, a desinformação é utilizada como arma nas mãos do Governo russo", afirmou Glucksmann, presidente da Comissão especial sobre interferência estrangeira em todos os processos democráticos na União Europeia, incluindo desinformação.
O eurodeputado, que falava durante um seminário que terminou esta quarta-feira, promovido pelo Parlamento Europeu para jornalistas portugueses relacionado com a situação na Ucrânia, disse que o tema tem sido intensamente estudado pela comissão, servindo-se até de informação de conselheiros do presidente russo, Vladimir Putin.
"O objetivo da propaganda e das 'fake news' russas não é convencer as pessoas. Creio que eles [russos] sabem que as pessoas não acreditam nessa propaganda. O que pretendem criar é o caos, uma zona sombra. Em certa medida não lhes interessa convencer as pessoas. Foi isso que tivemos dificuldade em entender", apontou.
"Se espalhamos uma mentira é para que as pessoas acreditem, mas neste caso o objetivo é que as pessoas não acreditem em nada. O que pretende é criar uma imagem tão distorcida que retire pressão na ação, por se tratar de uma situação que não é clara. Há várias versões", insistiu.
Raphaël Glucksmann apontou como exemplo as reportagens da imprensa mundial, no terreno na Ucrânia, relato de uma realidade que é contrariada por uma versão lunática, criada por desconhecidos, que obedecem a regras que não entendemos".
"Não querem que pensemos que a informação é falsa. Querem que tenhamos dúvidas", alertou, acrescentando que se as pessoas "querem acreditar que a terra é plana é um problema delas, no entanto, quando "um governo estrangeiro gasta milhões para tentar fazer as pessoas acreditarem que a terra é plana, então o assunto transforma-se numa questão política que exige medidas".
"Não vejo outro ator usar a desinformação como a Rússia. Durante a pandemia de covid-19 a China começou a cozinhar a estratégia russa, sobretudo em relação às vacinas contra o vírus", especificou, garantindo que o combate à desinformação é uma "prioridade" para a União Europeia.
"Podemos ter todas as leis possíveis sobre eleições, estamos a trabalhar na harmonização da legislação na Europa, mas se baixamos a segurança e criarmos a atmosfera propicia a campanhas de desinformação em que as eleições vão decorrer haverá também interferências nos atos eleitorais temos de ser mais eficazes num movimento que deve envolver todos, as instituições, a sociedade civil, e os 'media'.
O eurodeputado justificou a suspensão de meios de comunicação da Rússia, Sputnik e Rússia Today, pela União Europeia por não poderem ser considerados como órgãos de comunicação social, mas ferramentas de propaganda.
O responsável que a desinformação dos últimos anos, agravada com a guerra na Ucrânia motivou a criação da comissão especial sobre interferência estrangeira em todos os processos democráticos na União Europeia, considerando que o fenómeno "vai muito mais além do que espalhar 'fake news' no debate europeu".
"Está muito relacionado com cibersegurança, ataques informáticos a hospitais durante a pandemia de covid-19, instituições europeias. Estabelecemos diagnósticos sobre a natureza das ameaças e indicamos diversas recomendações, que vão de medidas defensivas, relacionadas com o aumento da segurança e com a forma de combatermos uma campanha desinformação".
A comissão também apontou "recomendações positivas, por exemplo, como apoiar a sociedade civil a combater a desinformação, que medidas se podem tomar para criar um ambiente que permita fazer florescer o jornalismo independente".
"O que vemos é que as ações de atores hostis, como o Governo russo beneficiam da fragilidade do nosso modelo económico, particularmente a nível da desinformação. Temos tido longas conversações sobre a forma de atuação junto o jornalismo independente, trabalho que deverá ser apresentado em breve e prevê a separação da lógica comercial dos meios de comunicação social da lógica comercial para que a informação seja livre e considera um bem essencial", afiançou.
Para o eurodeputado, a Europa "tem de deixar de ser ingénua ao ponto de pensar que não tem inimigos e adversários".
"O nosso objetivo é uma revolução cultural. Queremos pôr fim a essa ilusão. A União Europeia tem de deixar ser ingénua e deixar de pensar que não haverá mais conflitos trágicos envolvendo a Europa. Estes conflitos não começaram no dia 24 de fevereiro de 2022. O Governo russo encontra-se em constante confronto com regimes democráticos há anos e anos. Agora é tempo de tomar medidas e ações e parar de viver um sonho. Vivemos numa guerra hostil e a terra não é plana".
Segundo Raphaël Glucksmann "a desinformação nas redes sociais é uma arma usada há anos, mas o que acontece agora é que todos que os limites que estavam traçados tornaram-se muito ténues".
Até agora, as pessoas pensavam que a guerra virtual e a guerra real estavam delimitadas, que os políticos nacionais e estrangeiros estavam separados e que havia uma clara noção do que era um estado de guerra e um estado de paz. Tudo isso é falso. Enfrentamos tempos perigosos", advertiu.
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