Os governos na América Latina têm sofrido uma mudança no seu espetro político desde 2018, com a eleição de Presidentes progressistas ou de esquerda em países como México, Argentina, Bolívia, Peru, Honduras, Chile e Colômbia e, em outubro, será a vez do Brasil com a realização de eleições presidenciais. O facto de esta viragem à esquerda facilitar uma maior integração entre as nações desta região não é consensual entre investigadores e especialistas em América Latina.
"O novo ciclo [à esquerda] ainda está por comprovar. Para já, parece mais uma coincidência ideológica na alternância no poder, vinculada ao contexto de cada país, do que uma mudança estrutural. E a coincidência pode ser breve: por exemplo, mesmo que Lula da Silva vença a eleição presidencial no Brasil, tudo indica que a direita poderá vencer na Argentina em 2023", declarou este domingo à agência Lusa o investigador e professor da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) Filipe Vasconcelos Romão.
Para Vasconcelos Romão não existe um projeto efetivo de integração latino-americana, "existe uma fragmentação de organizações, podendo destacar-se o Mercosul [Mercado Comum do Sul] como aquela que conseguiu ir mais longe - uma união aduaneira com grandes imperfeições e sujeita aos estados de alma dos governos de turno brasileiro e argentino".
O professor da UAL referiu ainda que "os mecanismos de cooperação que são criados (bem como o próprio Mercosul) estão claramente expostos aos alinhamentos ideológicos de cada momento".
"Tendo em conta estes precedentes, será de prever que, com a coincidência de uma série de governos à esquerda na região, voltem a ser estimuladas plataformas formais e informais de diálogo. Porém, estas poderão ser tão frágeis como as precedentes", avaliou Vasconcelos Romão, professor na Universidade Autónoma de Lisboa.
Andrés Malamud, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL), vai mais longe ao afirmar que "as alianças ou organizações regionais, como o Mercosul, não vão se fortalecer, não apenas porque a política não ajuda, mas porque a economia não ajuda".
"Os países da América Latina não têm economias complementares, todos vendem para a China. Na América do Sul, outros vendem para os Estados Unidos. Não compram e nem vendem entre si, não há incentivo para construir mercados maiores", referiu Malamud.
Segundo o investigador do ICS-UL, "poderá haver mais alguma cooperação, algum diálogo, fotos de grupo e parangonas nos jornais, mas a integração na América Latina não vai avançar só porque os governos são maioritariamente de esquerda".
"Ao nível doméstico, dentro de cada país, os governos de esquerda são mais distributivos em relação aos de direita. Externamente, não fará que América Latina seja como a União Europeia (UE), não haverá um mercado comum, um espaço Schengen, não haverá uma moeda comum como o euro", sublinhou Malamud.
Já Cristiano Pinheiro de Paula Couto, investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, acredita, diante das sondagens que indicam a vitória de Lula da Silva no Brasil, "num horizonte de consolidação de um grande arco de alianças no cenário regional" e a volta da esquerda no Brasil "poderia contribuir decisivamente para a constituição de um bloco de poder bastante coeso em termos políticos".
"Um resultado diferente [nas presidenciais brasileiras], contudo, poderia solapar a integração regional", devido ao grande peso do Brasil na região, sublinhou Couto.
"Se a hegemonia de governos de tendência progressista na América Latina se repetir, com mais ou menos intensidade, como primeira década do século XXI, teremos, sem prejuízo das relações com países de fora do subcontinente, um garantido fortalecimento do Mercosul e o revigoramento ou ressurgimento de outras iniciativas de integração regional", referiu Couto.
O investigador da Universidade Nova de Lisboa sublinhou, entretanto, que os países latino-americanos vão enfrentar grandes desafios no campo económico diante do "contexto internacional hostil e incerto" que hoje se vive no mundo.
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