Em declarações à Lusa, a representante na África do Sul da organização mundial de defesa dos Direitos Humanos, Shenilla Mohamed, sublinhou que "ninguém está acima da lei, e se alguém na África do Sul for acusado de ter infringido a lei, a justiça deve seguir o seu devido curso".
"No entanto, os migrantes não podem ser bodes expiatórios para o aumento dos níveis de criminalidade, que infelizmente estamos a constatar aqui na África do Sul", frisou a ativista sul-africana.
Dados oficiais divulgados este mês, indicam que o país - que tem uma das piores taxas de criminalidade do mundo -, registou quase 70 assassínios por dia no primeiro semestre do ano, um aumento de 16,5% em relação ao primeiro semestre de 2021.
Em julho, centenas de moradores caçaram porta-a-porta trabalhadores mineiros em situação ilegal no país, conhecidos localmente por 'Zama Zama', após a violação coletiva de oito mulheres na região oeste de Joanesburgo, a capital económica do país.
A AI disse estar "indignada" com o alegado incidente ocorrido nas minas abandonadas da pequena cidade mineira de Krugersdorp, onde um gangue armado invadiu o local onde estavam a decorrer as filmagens de um videoclipe, e violou oito jovens raparigas que faziam parte do elenco. A equipa de filmagem foi também assaltada, segundo a imprensa local.
Pelo menos 350 trabalhadores mineiros em situação ilegal no país, dos quais 43 são moçambicanos, foram presos na sequência do alegado incidente de violação coletiva como parte de várias operações policiais de combate à mineração ilegal nas áreas de Krugersdorp e Randfontein, anunciou fonte da polícia sul-africana.
Pelo menos seis imigrantes moçambicanos, incluindo um menor de 16 anos, encontram-se entre 14 indivíduos que são acusados formalmente de violação, assédio sexual, roubo em circunstância agravada e violação da lei de imigração relacionadas com o incidente que chocou o país, explicou fonte do Ministério Público sul-africano à Lusa.
Shenilla Mohamed salientou ser "importante" notar que "os migrantes detidos imediatamente após o incidente de Krugersdorp não foram acusados de violação, mas por estarem no país sem documentos", acrescentando que "desde então, 14 dos detidos foram supostamente ligados ao incidente de violação coletiva e enfrentam acusações".
"Não importa quem sejam os perpetradores, devem ser responsabilizados e mais deve ser feito para proteger as mulheres. A Polícia sul-africana e o Ministério Público devem agora agir rapidamente para garantir justiça para todas as vítimas", apelou a ativista sul-africana.
Na ótica da Amnistia Internacional na África do Sul, a ausência de "respostas adequadas" por parte do governo sul-africano no combate à galopante criminalidade no país, levou comunidades e grupos de vigilantes a agir ilegalmente contra "migrantes, refugiados e requerentes de asilo, acusando-os pelos elevados níveis de criminalidade".
Este fenómeno crescente na África do Sul "deixa os migrantes vulneráveis a ataques", salientou Shenilla Mohamed, para quem "a impunidade para crimes que incitam à xenofobia também contribui para a situação, porque ninguém é responsabilizado".
"A polícia precisa de agir contra quem comete um crime, mas também contra quem faz justiça com as próprias mãos", frisou.
Nesse sentido, a ativista considerou à Lusa que o Estado sul-africano "falhou" para com os sul-africanos e migrantes que vivem no país "por não lidar com as altas taxas de criminalidade" e por "permitir que a impunidade continue em torno de ataques xenófobos".
"A violação dos direitos das pessoas à segurança, proteção, dignidade e vida não deve continuar impunemente", adiantou.
A Amnistia criticou o sistema de gestão de asilo da África do Sul, afirmando que há milhares de requerentes sem documentação adequada, o que contribui para exacerbar a xenofobia no país.
"O atual sistema de processo de gestão de asilo está a falhar. Ao persistir com um sistema inoperacional que deixa aqueles que tentam reivindicar asilo sem documentos e no limbo, o governo está a causar uma divisão e a inflamar as tensões entre os cidadãos sul-africanos e os africanos que vivem no país", salientou à Lusa Shenilla Mohamed.
Leia Também: Amnistia quer que governo venezuelano pare de atacar ativistas