A lei entrou em vigor em outubro e perto de 15 homens viram desde então diminuídas as penas a que tinham sido condenados por agressão sexual ao abrigo da legislação anterior, com pelo menos quatro que estavam na prisão a terem sido inclusivamente libertados.
Juristas e magistrados explicam que ao acabar com a distinção entre abuso sexual (menos grave) e agressão sexual, passando a haver no Código Penal espanhol apenas este último, aumentou-se também, automaticamente, a amplitude das penas de prisão aplicadas, nomeadamente, as sanções mínimas previstas são agora mais leves.
Assim, homens anteriormente condenados à pena mínima definida para a agressão sexual viram agora aligeirada a condenação.
Os juízes dizem que estão a aplicar a lei, como estão obrigados, respondendo a recursos de advogados e cumprindo o princípio de que quando há mudanças no Código Penal deve aplicar-se a norma mais favorável ao condenado.
Isto porque, ao contrário do habitual nas revisões do Código Penal, neste caso não foi introduzida uma norma transitória, que previne situações destas e que determina que quando uma pessoa está já condenada a uma pena que cai dentro da amplitude prevista pela nova legislação, a condenação não deve ser revista.
Quem não concorda com esta explicação é a ministra da Igualdade de Espanha, Irene Montero, a principal cara por trás da nova "lei de garantia integral da liberdade sexual", uma das bandeiras do atual governo espanhol, também conhecida como lei do "só sim é sim", por o consentimento ter passado a ser o que define se houve ou não uma agressão sexual, e já não se existiu intimidação ou violência ou se houve resistência da vítima.
Irene Montero, uma das ministras do partido Podemos, que integra, com os socialistas, a coligação de Governo, acusou os juízes de "machismo" e falta de formação em feminismo e igualdade de género por estarem a aligeirar penas de violadores.
A ministra sublinhou que a lei passou anos a ser debatida e construída e foi sujeita ao crivo de juristas e políticos de diversos ministérios, de grupos parlamentares, de organismos do poder judicial e da magistratura e do próprio Conselho de Estado antes de ser aprovada.
Nenhum deles, reforçou, alertou para o perigo de serem aligeiradas condenações a penas mínimas já em execução ou sequer para a falta da norma de transição, atendendo à jurisprudência instituída e a que o Ministério Público costuma emitir uma orientação para a revisão de penas quando há mudanças no Código Penal.
O Conselho Geral do Poder Judicial, num parecer à lei, quando estava a ser apreciada no parlamento, alertou para a possibilidade de serem diminuídas condenações em que foram aplicadas as penas máximas, não as mínimas, o que foi levado em consideração, sublinhou na quarta-feira à noite a ministra, esclarecendo uma informação imprecisa que estava a ser repetida por diversas vozes da magistratura e da política.
A ministra não reconhece, assim, "lacunas", "uma fissura", "uma falha" ou "um erro" na lei, como na quarta-feira e hoje consideraram partidos da oposição, mas também elementos e ministros do partido socialista (PSOE), manifestando disponibilidade para a ajustar.
As palavras que Irene Montero dirigiu aos juízes valeram-lhe uma resposta violenta de indignação por parte das associações de magistrados (algumas só de mulheres) e de outros organismos do poder judicial, que condenaram e repudiaram as afirmações "intoleráveis" da ministra, mas também por parte da oposição de direita, que pede a sua demissão.
Também socialistas lhe pedem "moderação" nas afirmações e hoje a ministra porta-voz do Governo, Isabel Rodríguez, manifestou "respeito pelos juízes" e disse ser importante "nunca esquecer a separação de poderes".
O primeiro-ministro, o socialista Pedro Sánchez, tem assistido à polémica desde a Ásia, onde participou no encontro do G20 e visita agora a Coreia do Sul.
Na quarta-feira, na Indonésia, Sánchez defendeu "a lei de vanguarda" que o Ministério da Igualdade e o governo no seu conjunto conseguiram fazer aprovar e manifestou "confiança nos tribunais" e na "sensibilidade" da justiça "em relação a este tipo de delitos tão graves".
"Vamos ver o que dizem os tribunais e esperar que uniformizem doutrina e depois teremos de ver que passos dar", afirmou, rejeitando mexer na lei de imediato.
Sánchez acabou por seguir aquilo que juristas e magistrados têm dito, de que não tem sentido mudar uma lei que acaba de entrar em vigor, por ser sempre necessário um período de tempo para os tribunais superiores fixarem uma doutrina em relação à aplicação.
A nova legislação nasceu na sequência de um caso que ficou conhecido como "La Manada", em 2016, em Pamplona (região de Navarra), quando cinco homens foram acusados de violação em grupo de uma rapariga de 18 anos durante as famosas festas 'Sanfermines'.
Os homens, com idades entre os 28 e os 31 anos na altura, foram condenados, em 2018, em primeira instância, por abuso sexual (e não agressão sexual).
A sentença chocou Espanha e levou milhares de pessoas às ruas para reivindicar mudanças na lei e maior proteção às vítimas de violação.
Nos tribunais superiores, o grupo "La Manada" foi condenado por agressão sexual a penas de 15 anos de prisão.
O advogado destes homens revelou hoje que está a preparar o pedido de diminuição de pena para um deles ao abrigo do novo Código Penal.
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