"As guerras já não acabam com um tratado de paz, como aconteceu nas primeira e segunda guerras mundiais, as guerras podem continuar ou terminar com eleições", disse Krastev durante uma conferência em Viena, também transmitida por vídeo, a que a agência Lusa assistiu.
Presidente do Centro de Estratégias Liberais de Sófia e investigador do Instituto de Ciências Humanas de Viena, Krastev, 58 anos, é considerado um dos mais destacados analistas de política internacional, com colaborações em artigos de opinião nos jornais The New York Times e Finantial Times.
É autor de uma dezena de livros sobre a democracia e a Europa, incluindo o ensaio sobre as consequências da pandemia 'Is It Tomorrow Yet?: Paradoxes of the Pandemic', publicado em Portugal com o título "O Futuro por Contar - como a pandemia vai mudar o nosso mundo" (Objetiva, 2020).
Na conferência '2023: Desafios e Escolhas da Europa', promovida hoje pelo clube de imprensa Concordia de Viena, fundado em 1859, Krastev disse que os resultados das eleições são vistos como sendo tão críticos como o resultado das guerras.
Deu como exemplo a influência da guerra no Vietname na política norte-americana, do conflito na Argélia na política francesa ou da derrota de Slobodan Milosevic nas eleições de 2000 para o desfecho da guerra na antiga Jugoslávia.
Num caso mais atual, referiu os acontecimentos do fim de semana no Brasil, com apoiantes de Jair Bolsonaro a ocupar as sedes do poder em Brasília depois de o ex-presidente ter sido derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva nas presidenciais de outubro.
No caso da guerra que a Rússia iniciou ao invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro do ano passado, Krastev disse que não irá "congelar em 2023" e que as duas partes quererão marcar posições no caminho para as eleições do ano seguinte.
Referiu que as eleições presidenciais na Ucrânia e na Rússia ocorrerão quase ao mesmo tempo, em março de 2024.
No caso russo, destacou um facto novo, que considerou "bastante importante", mas não necessariamente positivo, que é a ascensão de um "grupo muito forte pró-guerra e nacionalista".
Este grupo, disse, "está descontente" com o Presidente Vladimir Putin, que "controlava muito tudo à sua direita" até há pouco tempo, embora "ainda controle bastante".
Na Ucrânia, um adiamento das eleições por causa da guerra "não é uma opção" para o Presidente Volodymyr Zelensky, porque os russos estarão a votar e o nível de digitalização do país permite a votação.
"O apoio que a Ucrânia está a receber atualmente baseia-se em grande parte no facto de ser uma democracia que combate o terrorismo", acrescentou como mais uma razão para o não adiamento das presidenciais.
Outra eleição que destacou é a de Taiwan, longe da Europa, mas que preocupará a China por causa do sentimento pró-independência na ilha, que os Estados Unidos e aliados prometem defender se Pequim a invadir como a Rússia fez com a Ucrânia.
"Isto pode mudar muito a forma como os chineses veem não só Taiwan, mas também a guerra russo-ucraniana", disse.
As eleições para o Parlamento Europeu, mesmo que não se destinem a mudar governos, são importantes por serem aproveitadas para o voto de protesto.
"As eleições europeias vão ser a maior sondagem de opinião pública realizada sobre muitas políticas, incluindo o apoio à guerra", argumentou.
No Reino Unido, disse não acreditar que as eleições alterem a posição em relação à guerra, mas o conflito influenciará o "cálculo dos líderes políticos", que quererão justificar o apoio que tem sido dado a Kiev.
Mas as eleições que Ivan Krastev considerou críticas para a guerra na Ucrânia são as presidenciais dos Estados Unidos, notando que o primeiro destino estrangeiro de Zelensky desde o início dos combates foi Washington.
"A Ucrânia não pode ganhar a guerra contra a Rússia se não quiser continuar a contar com o apoio financeiro e militar do Ocidente", disse.
Esse apoio será fundamental para um país ao qual a Rússia destruiu já cerca de dois terços da indústria de defesa e 30 por cento da economia, e que necessita de avultados financiamentos mensais para continuar a funcionar.
O bombardeamento das infraestruturas de energia da Ucrânia, além do elemento psicológico, "é a morte para qualquer negócio, porque não se pode ter qualquer tipo de produção" sem um fornecimento contínuo de eletricidade, referiu.
Se o atual Presidente norte-americano, Joe Biden, se recandidatar em 2024, não quererá que a Ucrânia esteja a perder a guerra, "porque basicamente não consegue explicar aos eleitores o apoio" dado aos ucranianos.
Para Krastev, o "verdadeiro inimigo" da atual administração "é o outro candidato", o ex-presidente Donald Trump, que já anunciou a candidatura.
Biden, referiu, não pode permitir-se que os norte-americanos acreditem que a NATO vai participar na guerra na Ucrânia, porque não há apoio interno para um envolvimento direto dos Estados Unidos.
"A guerra [na Ucrânia] vai ser moldada não simplesmente como a guerra de Putin, mas por causa da guerra de Biden, e os republicanos vão atacá-lo ou por fazer demasiado ou por não ganhar o suficiente", disse.
Assumindo-se como um viciado em sondagens como quem bebe café de manhã, Krastev disse que muitos norte-americanos acreditam que sabem "quem são os bons e quem são os maus" na guerra na Ucrânia.
"Eles querem que os bons ganhem, mas não querem lutar porque têm a sensação de que a América luta há demasiado tempo em demasiadas guerras", acrescentou.
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