Timor quer travar "instrumentalização política" nas forças de segurança
O Presidente da República timorense apelou ao primeiro-ministro para tomar medidas para travar o "clima de instrumentalização política e impunidade" das instituições de segurança, segundo uma carta a que a Lusa teve acesso.
© Lusa
Mundo Timor-Leste
"Temo que ao se prolongar este clima de instrumentalização política e impunidade de instituições-chave para a nossa segurança interna como o SNI ou mesmo a PCIC, PNTL e F-FDTL, onde parecem muitas vezes atuar como estando acima das leis deste país, nos leve a situações de grande instabilidade social", escreve José Ramos-Horta na carta.
O chefe de Estado refere-se ao Serviço Nacional de Inteligência (SNI) -- sob tutela direta do primeiro-ministro, que é também ministro do Interior -- à Polícia Científica de Investigação Criminal (PCIC), à Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e às Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL).
Questionado hoje pela Lusa sobre a polémica, Ramos-Horta disse que vai falar com Taur Matan Ruak.
"O primeiro-ministro é um irmão meu, um herói nacional que respeito. Continuo a nutrir muito respeito por ele e por isso não vou responder. Havemos de conversar", disse.
"A minha preocupação, como a dele, é que as instituições do Estado, de defesa e segurança, cada uma está debaixo de um determinado conjunto de leis e regras, de operacionalidade e funcionamento, que têm que seguir, aí é que se cria harmonia nessas instituições", afirmou.
Na carta, o chefe de Estado manifesta-se preocupado com este tipo de atuações, que considera serem de "total ilegalidade e desrespeito pelas autoridades judiciais" e que parecem mostrar que o país "não quer aprender com a história recente".
"Continuamos a cometer o mesmo tipo de erros que levaram aos acontecimentos de 2006. Este cenário tem de ser evitado a todo o custo", escreve, referindo-se ao conflito interno sério no país que obrigou a uma intervenção de forças de segurança internacionais.
"Uma nova crise colocaria em causa a nossa entrada na ASEAN e possivelmente o futuro da nação. Todo o esforço desenvolvido durante anos para que o nosso país se estabeleça como uma democracia sólida e vibrante, seria deitado por terra", continua.
Nesse sentido, e para "evitar que isso aconteça", José Ramos-Horta reforça o seu pedido a Taur Matan Ruak para que "tome as medidas necessárias e definitivas para solucionar esta questão, e que ponham termo a este tipo de práticas".
A carta, datada de 13 de fevereiro, surge no contexto de várias rusgas efetuadas desde janeiro a casas de um assessor de José Ramos-Horta, o ex-procurador-geral e ex-ministro do Interior Longuinhos Monteiro.
A polémica em torno a esse caso começou em janeiro depois de uma rusga, sem mandado judicial, à casa de Monteiro em Loes, liderada por elementos do SNI.
A rusga -- durante a qual foram encontradas algumas armas - foi declarada ilegal pelo Tribunal Distrital de Díli, que depois emitiu mandados para buscas adicionais, em Díli e Loes.
Na busca mais recente, já este mês, o chefe de Estado decidiu enviar o seu chefe da Casa Militar como "observador" e "testemunha" da operação, algo que já suscitou críticas da parte das bancadas do Governo no parlamento.
Ramos-Horta explica na carta que as suas preocupações se prendem com uma "nova ação da Polícia Científica de Investigação Criminal (PCIC) com o envolvimento do Serviço Nacional de Inteligência" conduzida na semana anterior.
Uma operação, "uma vez mais amplamente divulgada pelos meios de comunicação social em clara violação do segredo de justiça e do princípio da presunção de inocência, num clima de total ilegalidade e desrespeito pelas autoridades judiciais", escreve.
"Informo sua excelência acerca da minha total perplexidade e transtorno sobre a forma inconsequente e persecutória como elementos do SNI aparentemente continuam a atuar fora do seu leque de competências e completamente à margem da lei, num clima de flagrante impunidade sobre os atos que ilegalmente praticam", refere.
Na quarta-feira, à chegada a Díli depois de uma visita ao estrangeiro, o primeiro-ministro referiu-se ao caso e acusou o Presidente da República de abuso de poder e de prepotência, por alegadamente lhe ter exigido que demitisse o responsável do SNI.
"Isto é abuso de poder e prepotência da parte do Presidente da República. Isto não é correto. O Presidente é um órgão que é símbolo nacional. Todos os comportamentos são importantes, e devem ser feitos com cuidado. Não pode ser uma coboiada", afirmou.
Essa exigência de Ramos-Horta, segundo Taur Matan Ruak, teria sido feita através de um "ultimato" que lhe foi comunicado pelo ministro da Presidência do Conselho de Ministros, Fidelis Magalhães, no dia 09 de fevereiro, quando o primeiro-ministro estava em viagem.
As críticas relativamente ao envolvimento de elementos do SNI têm a ver não apenas com a existência ou não de mandado judicial, mas também com a interpretação de que as rusgas não se inserem nas competências deste serviço.
Na carta, Ramos-Horta não faz qualquer exigência de exoneração, recordando apenas que na reunião anterior à missiva, que manteve com Taur Matan Ruak, falaram deste assunto.
"Fiquei com o entendimento que uma vez alertado para a conduta inapropriada por parte do SNI, sua excelência informaria o diretor-geral do SNI que futuros comportamentos ilegais e fora das suas competências legais deste órgão não seriam mais tolerados", refere o Presidente.
O primeiro-ministro, relembra Ramos-Horta, aprovou desde então alterações aos estatutos do SNI, mas a situação manteve-se inalterada.
Motivo pelo qual Ramos-Horta explica ter "dado conhecimento dos factos ocorridos ao senhor procurador-geral da República para que dê início ao processo de investigação e que identifique os responsáveis em conformidade com a lei".
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