Uma grande ferrovia em planeamento poderá acelerar a desflorestação na terra ancestral de Metuktire, do cacique Raoni, que subiu a rampa com Lula da Silva na cerimónia de posse do seu novo Governo, em 01 de janeiro, projeto que pode azedar as relações entre o líder esquerdista e o chefe do povo Kayapó.
Este é apenas um dos vários megaprojetos que, segundo ativistas e especialistas, devastariam parte da Amazónia e prejudicariam seriamente a imagem de Lula da Silva como defensor do meio ambiente se prosseguissem.
De acordo com as mesmas fontes, outros projetos que podem representar perigo para o meio ambiente e os indígenas incluem a perfuração de petróleo perto da foz do rio Amazonas, uma rodovia que cortaria algumas das áreas mais protegidas da floresta amazónica e a renovação da licença de uma gigante hidroelétrica.
"Lula está a falar de meio ambiente, mostrando preocupação com a mineração ilegal, demarcando territórios indígenas. Ele já aprendeu muito, mas precisa aprender mais. Ainda estamos muito preocupados", disse Alessandra Korap, da liderança indígena do povo Munduruku que recentemente ganhou o Prémio Goldman de Meio Ambiente por um trabalho que incluiu o combate à mineração ilegal.
No Governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a desflorestação atingiu o valor mais alto em 15 anos e as restrições ambientais foram enfraquecidas. O líder de extrema-direita ocupou cargos-chave em órgãos ambientais com aliados do agronegócio e militares e os direitos dos povos indígenas foram violados, consideram.
Depois de derrotar Bolsonaro por pouco nas eleições do ano passado, Lula da Silva tem-se para colocar a proteção ambiental e o respeito aos direitos dos povos indígenas no centro do seu terceiro mandato, tendo retomado o pedido de doações internacionais para o Fundo Amazónia de combate à desflorestação, lançou uma campanha para expulsar mineradores ilegais do território Yanomami, comprometeu-se a acabar com toda a desflorestação ilegal até 2030 e reiniciou a demarcação de áreas indígenas.
A agência ambiental do Brasil (Ibama) decidirá nos próximos meses se licenciará a perfuração de poços de petróleo num setor perto da foz do rio Amazonas.
A aprovação certamente levaria à perfuração em toda a região, disse Suely Araújo, ex-chefe do Ibama e agora especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, uma rede de organizações sem fins lucrativos.
"É uma questão de coerência. Os discursos de Lula da Silva sobre proteção ambiental e crise climática são diretos. Mas se a exploração de petróleo for intensificada, isso significará a expansão dos combustíveis fósseis. Haveria uma incoerência", afirmou a especialista.
Com a produção existente a chegar ao pico nos próximos anos, há grande interesse em garantir mais exploração de óleo e gás na costa norte do Brasil. É um local único e biodiverso, com faixas de manguezais pouco estudadas e um recife de coral.
A gigante petrolífera estatal Petrobras destinou quase metade do seu orçamento de exploração nos próximos cinco anos para a área. O CEO da empresa, Jean Paul Prates, disse que o primeiro poço seria temporário e que a empresa nunca registou um vazamento na perfuração offshore.
Por outro lado, oitenta organizações da sociedade civil e ambientalistas, WWF Brasil e Greenpeace, pediram que a licença fosse recusada enquanto se aguardava um estudo aprofundado.
A hidroelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, foi planeada nos primeiros governos de Lula da Silva e construída no Governo da sua sucessora, Dilma Rousseff.
Populações indígenas e ativistas ambientais opuseram-se ao projeto, e estudos mostram que os seus impactos foram desastrosos, segundo os especialistas. Organizações da sociedade civil estimam que dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas, e especialistas atribuem uma onda de violência local à perda de empregos.
Belo Monte está de volta à agenda de Lula da Silva, com o Ibama a avaliar a renovação da licença. A agência informou no verão passado que a Norte Energia, proprietária da barragem, não respeitou muitas das condições da sua licença original.
Em janeiro, pesquisadores da região publicaram uma carta no site de jornalismo ambiental Sumaúma, apelando a Lula da Silva e ao seu Governo para investigar e punir crimes e injustiças a envolver a barragem.
"Qualquer governo realmente comprometido com a conservação da Amazónia e o combate à crise climática tem a obrigação de reconhecer os problemas causados por Belo Monte e reparar os danos e impactos causados", refere-se no documento.
Preocupações semelhantes envolvem uma ferrovia de 933 quilómetros conhecida como Ferrograo, que transportaria soja e milho do interior em direção ao rio Tapajós para eventual embarque no exterior.
Um estudo de 2021 da Universidade Federal de Minas Gerais projetou o desmatamento de mais de 230.000 hectares em terras indígenas no estado de Mato Grosso até 2035, se o projeto for concluído.
A ferrovia está paralisada aguardando a decisão do tribunal sobre a constitucionalidade da lei que permitiu o derrube de florestas no Parque Nacional do Jamanxim para abrir caminho para a sua travessia.
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