Os cerca de 61 milhões de eleitores turcos vão decidir qual a verdadeira escolha que pretendem, o prosseguimento de um homem forte, o atual Presidente Recep Tayyip Erdogan, com crescente risco de autoritarismo, ou um regresso ao reforço do poder do parlamento, com o provável regresso da instabilidade política.
O regime ultra-presidencial instaurado nos últimos anos tornou estas eleições mais num caso de personalidade que de ideologia, apesar de uma vitória da oposição não significar uma verdadeira rutura na lógica estratégica e diplomática do país.
Recep Tayyip Erdogan, 69 anos e no poder desde 2003 -- de início como primeiro-ministro após a arrasadora vitória do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) nas legislativas e na presidência desde 2014 --, enfrenta no domingo a prova final da sua capacidade de sobrevivência política, com a maioria das sondagens a anunciarem a sua derrota nas eleições presidenciais.
O fundador do AKP, uma formação conservadora e islamistas, enfrenta o líder do Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata e nacionalista), Kemal Kiliçdaroglu, 74 anos, apoiado por uma coligação heterogénea de seis partidos e por uma formação de esquerda defensora dos direitos da minoria curda, terá talvez a sua última oportunidade de terminar nas urnas com o crescente autoritarismo de Erdogan.
Após uma abertura democrática na década de 2000, protagonizada por Erdogan e o partido que fundou, o país registou um regresso do autoritarismo e uma personalização do poder na década seguinte e que tornaram estas eleições centradas em torno de Presidente amado ou odiado, e que confirma a tradicional personalização da vida política turca.
Nos últimos dias de campanha, Erdogan radicalizou o discurso, quando as últimas sondagens do conceituado instituto Konda sugerem que Kiliçdaroglu poderá vencer na primeira volta.
A três dias do escrutínio, o candidato da Aliança da Nação, liderada pelo CHP e que agrega mais cinco partidos, de centristas, a nacionalistas de direita e uma formação islamista, estava creditado com 49,3% dos votos, caso a opção dos indecisos (7%) fosse distribuída proporcionalmente pelos dois candidatos. O Presidente Erdogan apenas receberia 43,7% dos votos.
Para as eleições legislativas, o cenário altera-se, com a Aliança Popular de Erdogan -- liderada pelo AKP e que repete a coligação com o Partido de Ação Nacionalista (MHP, extrema-direita) de Devlet Bahçeli e duas outras pequenas formações ultranacionalistas -- em vantagem, com cerca de 44%, dos votos expressos contra 39,9% para a Aliança da Nação.
Neste caso, será decisiva a votação na Aliança Trabalho e Liberdade, liderada pelo Partido da Esquerda Verde, defensor dos direitos da população curda e creditado com 10,5% dos votos e que poderá retirar ao AKP e aliados a sua sólida maioria absoluta.
Nos seus últimos comícios e intervenções públicas, Erdogan comparou estas eleições com a tentativa golpista de que foi alvo em julho de 2016, com a oposição a pedir calma aos seus apoiantes para evitar provocações e que sejam comedidos nas celebrações, devido ao risco ações violentas de grupos paramilitares apoiantes de Erdogan.
Diversos observadores admitem que o Presidente turco poderá optar por não reconhecer o resultado, ou impugnar as eleições caso seja derrotado por uma curta margem.
A arquitetura institucional elaborada por Erdogan, em particular após o referendo de 2017 -- que institui um regime presidencialista com a abolição do cargo de primeiro-ministro, reforço dos seus poderes executivos, controlo de parte significativa do aparelho judicial e exercício do poder sem partilha --, esteve sempre presente nos discursos do líder da oposição.
Numa sociedade fragmentada, Kiliçdaroglu prometeu devolver ao país o sistema parlamentar interrompido em 2017 e uma restauração dos direitos e liberdades, muito deterioradas devido ao crescente autoritarismo do Presidente.
O combate ao elevado desemprego, à corrupção, o regresso a uma justiça independente onde os veredictos sejam baseados na lei e não em decisões políticas, e a liberdade dos 'media', num país com quase 50 jornalistas na prisão, foram outras prioridades enunciadas pelo candidato da Aliança da Nação.
Kiliçdaroglu também prometeu restaurar a confiança no meio empresarial e na população, relações externas baseadas nos interesses da política nacional, melhoria das relações com a União Europeia e manter as relações cordiais com a Rússia, aliado político e importante parceiro comercial.
A estratégia de campanha de Erdogan foi antes centrada em propagar a ideia de uma Turquia moderna, que inaugurou a sua primeira central nuclear em cooperação com a Rússia, e poderosa, com um desenvolvimento exponencial da indústria do armamento.
O Presidente turco também acusou o bloco opositor de serem "infiéis, de colaborarem com a guerrilha curda do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), ilegalizado e considerado "organização terrorista" por Ancara e países ocidentais, de pretenderem fragmentar o país e colocar a Turquia sob a alçada de "potências imperialistas".
Num dos seus cartazes eleitorais, enfatizava a ideia de que trabalha como um homem "e não está na cozinha como uma mulher", numa referência aos vídeos eleitorais de Kiliçdaroglu desde a cozinha de sua casa.
O opositor apressou-se a responder em tom irónico, ao anunciar que preferia viver num simples apartamento que num palácio com "mil assoalhas", referência ao colossal Bestepe que o Presidente mandou construir após ser eleito em 2014.
Erdogan, que tenta o seu terceiro mandato, ainda garante o apoio de uma parte considerável da sociedade turca, com um eleitorado muito fiel e que o idolatra.
A sua política agressiva, incluindo com intervenções militares no Iraque e Síria contra a guerrilha curda do PKK, após o colapso de negociações diretas que promoveu em 2012, fortaleceram a sua imagem de líder disposto a defender a soberania do país de inimigos internos e externos.
Serão estas duas opções numa Turquia fraturada que se vão enfrentar nas eleições de domingo.
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