O presidente russo, Vladimir Putin, prometeu um "cessar-fogo" na Ucrânia, caso Kyiv começasse a retirar as suas tropas das regiões anexadas por Moscovo e desistisse dos seus planos de adesão à aliança transatlântica NATO. A proposta foi prontamente criticada pelo Ocidente, que a considerou ser "inaceitável", além de um "ultimato".
Em declarações aos funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, na sexta-feira, Putin afirmou que, "assim que Kyiv (...) iniciar a retirada efetiva das tropas [das regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia] e notificar que está a abandonar os seus planos de aderir à NATO", daria imediatamente "ordem para cessar-fogo e iniciar as negociações".
A proposta de Putin não foi imediatamente comentada pela Ucrânia mas, na sua conta na rede social X (Twitter), o conselheiro da Presidência ucraniana, Mykhailo Podolyak, considerou-a "contrária ao bom senso".
"Temos de nos livrar destas ilusões e deixar de levar a sério as 'propostas' da Rússia, que são contrárias ao bom senso", afirmou. "Não existem novas propostas de paz por parte da Rússia. A entidade Putin simplesmente formulou o 'pacote padrão do agressor' que já ouvimos muitas vezes".
There are no new "peace proposals" from #Russia. Entity Putin has voiced only the "standard aggressor's set", which has been heard many times already. Its content is quite specific, highly offensive to international law and speaks absolutely eloquently about the incapacity of the…
— Михайло Подоляк (@Podolyak_M) June 14, 2024
Mais tarde, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, descreveu a proposta como um "ultimato" integrado na "nova onda no nazismo russo". "O que podemos dizer sobre este ultimato? Não é diferente de outros que ele já fez antes", afirmou, durante a cimeira do G7, em Itália.
Já este sábado, durante um discurso na Cimeira para a Paz na Ucrânia, que decorre na Suíça, Zelensky defendeu que Putin "tem de mudar o seu registo de ultimatos" e considerou que "se a Rússia estivesse interessada na paz, não haveria guerra".
Também o secretário-geral da NATO considerou que a proposta de Putin "não foi feita de boa-fé" e que é, pelo contrário, no sentido de "mais agressão" da Ucrânia. "Aquilo não é uma proposta para a paz, é apenas para mais agressão, mais ocupação. Não foi feita de boa-fé", declarou numa conferência de imprensa, na sexta-feira, em Bruxelas.
O responsável defendeu ainda que "não é a Ucrânia que tem de retirar tropas do território ucraniano" e que a proposta "demonstra que o único objetivo da Rússia é controlar a Ucrânia".
Por seu turno, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, defendeu que "dependerá da Ucrânia" decidir "quando será possível" um acordo de paz com a Rússia, sublinhando que qualquer acordo deverá respeitar as normas de Direito Internacional.
"Esta guerra tem um agressor, que é a Rússia, e uma vítima, que é a Ucrânia. O povo ucraniano tem o direito de defender os seus filhos, as suas casas e as suas cidades", frisou ainda, na sua intervenção na Cimeira para a Paz na Ucrânia.
Pelos Estados Unidos, a porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Adrienne Watson, frisou, na sexta-feira, que "não há nenhum país no mundo que possa dizer seriamente" que a proposta "é aceitável ao abrigo da Carta da ONU, do direito internacional, da moralidade básica ou do bom senso" e acusou Putin de colocar um "preço" na paz: a ocupação de "ainda mais território ucraniano".
Já este sábado, a vice-presidente norte-americana, Kamala Harris, afirmou que a proposta de Putin não é uma negociação, mas sim "uma rendição" de Kyiv às "violações descaradas" por parte da Rússia à Carta das Nações Unidas.
"Ontem, Putin apresentou uma proposta, mas temos de dizer a verdade: ele não está a apelar a negociações, está a apelar à rendição. Os Estados Unidos estão do lado da Ucrânia, não por caridade, mas porque é do nosso interesse estratégico", disse Kamala Harris no início da primeira sessão plenária da Cimeira para a Paz na Ucrânia.
Entre outros críticos da proposta estão o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell.
Borrell criticou a ideia do presidente russo e considerou que o agressor "não pode ditar as condições para um cessar-fogo". "As exigências inaceitáveis de Putin pretendem legitimar a invasão e minar os esforços de paz enquanto a Rússia se reforça e prepara para uma longa guerra. O agressor não pode ditar as condições para um cessar-fogo", escreveu Borrell na plataforma social X, acrescentando que "a agressão constante da Rússia contra a Ucrânia mostra que [Moscovo] não tem qualquer interesse real na paz".
Russia’s continued aggression against Ukraine shows no real interest in peace.
— Josep Borrell Fontelles (@JosepBorrellF) June 15, 2024
Putin's unacceptable demands aim to legitimise the invasion and undermine peace efforts, while Russia rearms & prepares for a long war.
The aggressor cannot dictate the conditions for ceasefire.
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Por sua vez, o chanceler alemão, Olaf Scholz, afirmou que em causa está uma proposta que pretende criar "uma paz ditada". "O que precisamos não é de uma paz ditada, mas sim de uma paz justa e equitativa, que tenha em conta a integridade e a soberania da Ucrânia", afirmou o líder alemão em entrevista à estação televisiva ARD, citado pela agência France-Presse (AFP).
Já o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, defendeu que a Cimeira para a Paz na Ucrânia deve enviar à Rússia "uma mensagem muito clara" de que há princípios inegociáveis, nomeadamente o respeito pela soberania de um país.
"Qualquer solução que valide a agressão ou a anexação violenta não será sustentável, apenas conduzirá a um mundo mais instável e perigoso", disse.
O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, foi mais longe e exortou Zelensky a apresentar as suas condições de paz com a Rússia "a partir de uma posição de força".
"A partir de uma posição de força, temos de trabalhar com o presidente Zelensky para estabelecer os princípios de uma paz justa e duradoura, com base no direito internacional e na Carta das Nações Unidas", disse na Cimeira para a Paz.
Marcelo Rebelo de Sousa recusa "pronunciar-se" sobre a proposta
Por cá, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, escusou, este sábado, a comentar a proposta de cessar-fogo apresentada pelo homólogo russo.
"Não me vou pronunciar sobre isso. Seria fazer o contrário da minha presença aqui. Aqui o objetivo é trabalhar para a paz com paciência, naturalmente reafirmando pontos de princípio que são fundamentais na posição portuguesa, mas deixando correr o resto desta conferência", considerou o chefe de Estado, em declarações à imprensa à margem da Cimeira para a Paz na Ucrânia.
Moscovo lamenta resposta "não construtiva" do Ocidente
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, lamentou a resposta do Ocidente à proposta, considerando as reações de "natureza não construtiva".
"Temos assistido a um grande número de reações oficiais, todas elas de natureza não construtiva", disse Peskov, segundo a Europa Press, que cita a agência noticiosa russa TASS.
A proposta surge numa altura em que decorre a Cimeira para a Paz na Ucrânia, na Suíça. A China, um dos grandes aliados de Moscovo e vista como intermediária fundamental para futuras conversações de paz, rejeitou participar na cimeira dada a ausência da Rússia, tendo Zelensky acusado Pequim de trabalhar em conjunto com o Kremlin para sabotar a conferência, ao pressionar países para não participarem.
O objetivo da reunião, organizada pela Suíça na sequência de um pedido nesse sentido do presidente ucraniano, é "inspirar um futuro processo de paz", tendo por base "os debates que tiveram lugar nos últimos meses, nomeadamente o plano de paz ucraniano e outras propostas de paz baseadas na Carta das Nações Unidas e nos princípios fundamentais do direito internacional".
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