"O que há, na verdade, é a nossa vontade de continuar a fazer música e, claro, não destruir as vontades de alguns dos nossos colegas, que não estão aqui connosco [por terem sido assassinados]. Nós não podemos matar também a vontade deles, nós continuamos neste projeto e tentamos preservar aquilo que de bom há no nosso grupo, que é continuar a fazer as obras dos nossos colegas", disse à Lusa Roberto Chitsonzo, vocalista principal e viola ritmo da banda.
A "vontade" que a banda não quer deixar morrer é a do cantor e saxofonista Zeca Alage, agredido até à morte, por desconhecidos, em 1993, na zona das barreiras naturais de proteção da cidade de Maputo, e a do cantor e guitarrista Pedro Langa, assassinado a tiro em casa, no centro da capital, em 2001.
"Aquilo que fez com que nós olhássemos para a frente é que aqueles que tiraram a vida aos nossos colegas não imaginam o quanto eles tinham para dar para a música moçambicana e porque a morte faz com que a obra não morra, que morram os homens, nós decidimos continuar a abraçar-nos, porque, se calhar, nós também havíamos de sucumbir, como pessoas", realça Roberto Chitsonzo, ex-deputado da Assembleia da República e antigo professor de Educação Física.
Quando questionar sobre a guerra civil de 16 anos, que terminou em 1992, era tabu, num contexto de partido único, os Ghorwane provocaram ondas de choque, quando Zeca Alage cantou "Massotcha" -- que significa "militares" nas línguas do sul de Moçambique - criticando "armas mais caras do que o arroz", num país de "muita fome".
São "os bons rapazes", reagiu na altura o então Presidente moçambicano, Samora Machel, quando escutou a icónica música subversiva, depois de ter sido alertado pelos seus colaboradores sobre a "heresia" que o tema representava.
"Era o dia-a-dia, não propriamente uma crítica política, estávamos a dizer aquilo que é a voz do nosso povo", explica Roberto Chitsonzo sobre a inspiração dos temas abordados pela banda Ghorwane.
Também a seca, calamidades naturais, crise moral e educação sempre estiveram presentes no reportório e, para o caso de Moçambique, são assuntos intemporais e para todas as idades.
Roberto Chitsonzo admite que a vitalidade da banda também se deve ao rejuvenescimento, com a entrada de membros mais novos e com formação musical, que substituem os integrantes que saem à procura de novas experiências.
A fusão entre ritmos e danças tradicionais moçambicanos, como Nondge e Makwayela, e instrumentos convencionais tornam o som do grupo único.
Essa combinação também deu força à internacionalização e impressionou estrelas como Peter Gabriel, ex-Genesis, que desafiou a banda a gravar o seu primeiro álbum, "Majurujenta", no seu estúdio, Real Music, em Londres, em 1991.
"Ele [Peter Gabriel] é patrono do festival Womad, nós fomos para lá e ao ver uns jovens, como éramos, com tanta expressão [musical], perguntou-nos se não tínhamos um disco gravado, dissemos que não tínhamos e ele disse: ´o estúdio está aí, gravem`", lembra Roberto Chitsonzo.
"Lá fora, há sempre a procura de som e talento autênticos, o ingrediente para o Ghorwane continuar por muito tempo é não depender de cosméticos e truques para ser uma banda comercial", afirma o pianista da banda, João Schwalbach, descendente de antepassados alemães que chegaram a Moçambique no século XIX.
Surgiram outras colaborações sonantes, como a que tiveram com o escritor moçambicano Mia Couto, que escreveu as letras da banda sonora da série televisiva "Não é preciso empurrar", executada pelos Ghorwane, sobre educação cívica para as primeiras eleições multipartidárias em 1994, reconciliação e respeito pela diversidade, num país que acabava de sair da guerra.
Para "fazer jus" ao nome do mítico "lago que nunca seca" na província de Gaza e que inspirou "a marca Ghorwane", a banda "não se vai esgotar" e tem espetáculos comemorativos dos 41 anos agendados ainda para este ano, adiantou o viola baixo Carlos Gove.
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