Em entrevista à Lusa, numa altura em que o Reino Unido é agitado por protestos anti-imigrantes e motins violentos, o autor de "Italiapartheid", livro recém-publicado no qual denuncia a exploração sistémica e a segregação enfrentada pelos trabalhadores migrantes em Itália, aponta que a situação neste país é também alarmante, até porque o atual governo de coligação integra duas forças políticas, os Irmãos de Itália da primeira-ministra Giorgia Meloni e a Liga de Matteo Salvini, que herdaram diferentes formas de racismo que não renegaram.
"O racismo italiano é particular, pois tem duas origens culturais", diz Palmisano, apontando que "a primeira é fascista" e remete para as leis raciais promulgadas por Mussolini, enquanto "substância ideológica do fascismo", existindo ainda "o racismo setentrional, ou seja, contra o sul, que também já vem de longe e foi ideologicamente recuperado pela Liga Norte", fundada por Umberto Bossi, e que nos últimos anos se tornou na Liga de Salvini.
De acordo com Palmisano, "a combinação destas duas formas de racismo no decorrer do tempo, sobretudo em períodos de crise económica e laboral, como o país atravessa desde 2010 até os dias de hoje, levou a que a Itália se movesse ideologicamente contra os outros, produzindo segregação, que, por seu turno, reduz os outros a uma condição sub-humana nas periferias citadinas ou nos bairros de lata onde vivem os operários".
Este fenómeno, explica, foi agravado por uma lei (a chamada Lei Bossi Fini, de 2002) que apenas permite que estrangeiros não-europeus residam em Itália se tiverem trabalho, o que levou a que muitos "caiam na irregularidade e sejam imediatamente introduzidos no sistema de exploração laboral, que em Itália é quase sempre um caso de máfia".
Assinalando que a extrema-direita italiana recorre ao típico discurso de que são os imigrantes que estão a roubar postos de trabalho aos italianos, Leonardo Palmisano sublinha que "os dados estatísticos dizem exatamente o contrário: se não fossem os estrangeiros, sobretudo os não europeus, por exemplo na agricultura, o sistema agrícola italiano colapsaria", até porque "o trabalho agrícola em Itália é muito pesado", exige muita mão-de-obra, "pois a mecanização da produção agrícola é residual".
Ainda assim, "muito frequentemente, os mesmos agricultores que utilizam mão-de-obra estrangeira, imigrante, são depois aqueles que votam na extrema-direita", levados pelo seu discurso racista, quando, na verdade, argumenta, "o racismo é muito útil para o funcionamento de um mercado de trabalho que quer salários baixos e direitos baixos".
"A segregação é muito útil à manutenção de uma parte substancial do sistema produtivo italiano, não só na agricultura, mas também na indústria e sobretudo serviços. O racismo é instrumental à manutenção de um sistema económico que se alimentou no trabalho clandestino ou semiclandestino", diz o sociólogo, autor também de um livro sobre as redes mafiosas de recrutamento de imigrantes ilegais.
Segundo Palmisano, que entrevistou cerca de uma centena de imigrantes que chegaram a Itália e passaram pela experiência dos centros de requerentes de asilo, do trabalho clandestino e foram vítimas de violência, a situação hoje é particularmente alarmante, até porque "a Itália tem um governo vincadamente de direita que não é comparável aos anteriores governos de direita de [Sílvio] Berlusconi", o falecido magnata fundador do Força Itália (o outro partido que forma a coligação no poder, atualmente liderado por Antonio Tajani).
"Este governo tem no seu seio duas forças descendentes da direita mussoliniana, que nunca confrontou o racismo fascista, e da direita 'leghista' [da Liga], que nunca confrontou o racismo face ao sul. E este governo não enfrenta o tema do racismo como deveria", diz, acrescentando que tal tem favorecido um aumento da "agressividade" da direita radical, sobretudo aquela mais próxima dos Irmãos de Itália ('Fratelli d'Italia'), tanto a nível de "ideias racistas propagadas nas redes sociais", como de atos de violência e agressões físicas cometidos por parte de membros de grupos de extrema-direita e visando estrangeiros.
"É um fenómeno que cresceu com Meloni mas que ele próprio aumenta o consenso em torno do 'governo Meloni'", observa, completando que a direita radical italiana "é profundamente islamofóbica", a tal ponto que, embora seja também antissemita, se colocou, "de uma forma hipócrita", ao lado do governo israelita, também de direita radical, dirigido por Benjamin Netanyahu, "sem tomar qualquer posição, nem sequer humanitária, em defesa do povo palestiniano".
Admitindo à Lusa que recebe "dezenas" de insultos por dia através das redes sociais, designadamente no X, "cada vez mais uma plataforma usada por racistas", o sociólogo garante, todavia, que "isso não é nada" comparando com a verdadeira violência e ameaças que tantos estrangeiros, sobretudo com cor de pele diferente, sofrem todos os dias em Itália, e que na maior parte dos casos nem chegam a denunciar às autoridades.
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