Durante uma investigação às prisões do regime do presidente sírio Bashar al-Assad, em Damasco, a jornalista da CNN Clarissa Ward deparou-se com uma cela trancada. No interior, Ward assegurou que viu um cobertor mexer-se. De facto, debaixo da manta estava um prisioneiro que tinha sido abandonado pelos seus captores, sem água ou comida, pelo menos há quatro dias.
Impelido pelos rebeldes que acompanhavam a equipa da CNN, o homem destapou-se e assegurou ser um civil. Quando se convenceu de que estava fora de perigo, o prisioneiro contou à jornalista que estava naquela cela sem janela há três meses.
“Meu deus, a luz”, disse, ao dirigir-se para o exterior, agarrado à jornalista e a um soldado rebelde.
“Fique comigo, fique comigo”, apelou.
“Não soube nada da minha família durante três meses. Não tive notícias dos meus filhos”, continuou o homem.
O homem, que não sabia que o regime de Assad tinha caído, mostrou-se incrédulo quando o soldado o informou que “não há mais exército, não há mais prisões” e a “Síria está livre”.
“Está a falar a sério?”, questionou, de olhos esbugalhados, antes de o beijar na testa.
O homem revelou que agentes do regime trouxeram-no até ali, desde a sua residência em Homs, para o questionar sobre nomes de terroristas. Disse ainda que foi agredido e, cada vez que entrava num veículo, era vendado.
"I think this is one of the most extraordinary things I've witnessed in my career" CNN's @clarissaward's team free a man held captive in a secret #Syrian jail for three months.
— Julia Chatterley (@jchatterleyCNN) December 11, 2024
He said he had no idea Assad's regime had fallen.
Watch Clarissa's incredible reporting.⬇️ pic.twitter.com/SqMxPMBluW
“Está tudo bem. A Cruz Vermelha vai ajudá-lo. Está seguro, não tenha medo”, asseguram.
A jornalista confessou, através da rede social X (Twitter), que este foi "um dos momentos mais extraordinários" que já presenciou em quase 20 anos de profissão.
In nearly twenty years as a journalist, this was one of the most extraordinary moments I have witnessed. https://t.co/rG3WmhKh7X
— Clarissa Ward (@clarissaward) December 11, 2024
Desde o início da guerra na Síria, em 2011, desencadeada pela repressão brutal das manifestações pró-democracia, mais de 100 mil pessoas morreram nas prisões sírias, nomeadamente sob tortura, estimou o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) em 2022.
Recorde-se que o presidente da Síria, Bashar al-Assad, fugiu com a família no domingo e pediu asilo político na Rússia, depois de uma coligação de rebeldes ter conseguido tomar Damasco e anunciado o fim de cinco décadas de poder da família.
A coligação vitoriosa é liderada pela Organização Islâmica de Libertação do Levante (Hayat Tahrir al Sham, ou HTS, em árabe) e inclui fações pró-turcas.
Os rebeldes lançaram uma ofensiva relâmpago em 27 de novembro a partir da cidade de Idlib, um bastião da oposição, e conseguiu expulsar em poucos dias o exército de Assad das capitais provinciais de Alepo, Hama e Homs, abrindo caminho para Damasco.
Os rebeldes islamitas que derrubaram o regime sírio nomearam Mohammad al-Bashir como novo primeiro-ministro responsável pela transição na Síria.
O partido Baath, no poder na Síria há mais de 50 anos, anunciou a suspensão das suas atividades "até nova ordem".
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