A professora de Direito norte-americana recordou que "a primeira administração de Trump pegou na ideia da objeção de consciência e colocou-a numa espécie de esteroides" e que previu que no segundo mandato de Trump haverá uma "expansão massiva da objeção de consciência ao aborto".
O direito à objeção de consciência confere aos profissionais de saúde o direito de se recusarem a realizar práticas que entrem em conflito com a sua consciência ou que violem os seus princípios éticos, morais, religiosos, filosóficos, ideológicos ou humanitários.
A académica alertou ainda para a restrição do envio de pílulas abortivas, que, apesar de o Presidente norte-americano, Joe Biden, ter feito "muito para tentar facilitar o envio de pílulas abortivas para os Estados", esta possibilidade poderá deixar de existir, uma vez que está pendente a possibilidade de o Governo federal anunciar "que não permitirá que as pílulas sejam enviadas pelo correio".
"Se pegarmos na ideia de os estados terem todas estas restrições diferentes e acrescentarmos as objeções [de consciência], penso que vamos ter mais problemas de acesso do que temos", acrescentou.
O direito ao aborto nos Estados Unidos sofreu uma mudança inesperada em 2022, quando o Supremo Tribunal, de maioria conservadora, eliminou a proteção federal do aborto ao anular o caso Roe v. Wade, fazendo com que as políticas relacionadas com o aborto e os direitos reprodutivos ficassem nas mãos de cada estado.
Desde então, treze estados proibiram totalmente o aborto, obrigando muitas mulheres a atravessar as fronteiras estaduais para aceder ao procedimento da interrupção da gravidez ou a recorrer ao envio de pílulas abortivas pelo correio.
Para Wilson, a razão pela qual não é possível aprovar um projeto-lei nesta área deve-se à sua elaboração "particular", uma vez que "é apresentado por uma das partes com emendas que sabem que o outro lado terá de votar contra" no Congresso, tornando a sua aprovação "impossível".
Nestes projetos-lei, que acabam por ser usados como arma política, "o que acontece é que sempre que se acrescentam mais coisas, consegue-se cada vez menos acordo" e muitos deles estão repletos de emendas "de modo a que os representantes tenham de votar contra", de maneira a que, em pleno período eleitoral, os responsáveis pelo projeto possam dizer "estes são contra".
"Mas agora não sei o que vai acontecer porque ninguém vai querer dar uma vitória a Trump numa ação sobre direitos reprodutivos, certo? Por isso, acho que estamos presos exatamente no mesmo sítio, mas por uma razão diferente", reiterou.
Robin Fretwell Wilson, autora de vinte e dois livros e classificada entre os dez melhores académicos de Direito da Família nos Estados Unidos, detem a Mildred Van Voorhis Jones Chair em Direito na Faculdade de Direito de Illinois e é professora Fullbright Convidada na Universidade NOVA em Direito e Sustentabilidade.
A académica considera ainda que os norte-americanos estão de acordo sobre vários aspetos relativamente ao aborto, sendo consensual que "o aborto precoce deve ser permitido", mas que "o aborto tardio não deve ser permitido", existindo ao mesmo tempo "uma maioria consensual de que deve haver acesso ao aborto em casos de violação, incesto e [perigo de] vida da mãe".
Na verdade, todos estes pontos de consenso maioritário "descrevem quase na íntegra o sistema português", com acesso até 10 semanas de gravidez, com exceções em caso de violação até às 16 semanas e exceções por malformação congénita do feto até às 24 semanas.
"Acabei de descrever o sistema [português] e este sistema combina todas as considerações éticas que acabámos de descrever. É um sistema que tem em conta uma série de fatores diferentes. Pode não ser perfeito, mas é um sistema que tem em conta tudo isso".
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