O mundo está pior para as mulheres (e a 'culpa' é da tutela masculina)

Os direitos das mulheres são desrespeitados em quase todo o mundo, mas os governos demonstram indiferença ou impõem sanções leves aos crimes de género, como mostra o relatório da Human Rights Watch (HRW) referente a 2024.

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Lusa
18/01/2025 12:00 ‧ há 6 horas por Lusa

Mundo

Human Rights Watch

Na descrição da situação dos direitos das mulheres e raparigas em mais de 100 países do mundo, é possível verificar que é na região do Médio Oriente que a discriminação das mulheres é mais visível.

 

A chamada 'tutela masculina' está presente em quase todos os países dessa região do mundo e, apesar das lutas dos últimos dois anos pelos direitos das mulheres, sobretudo no Irão, a situação mantém-se ou é até pior.

É o caso da Arábia Saudita, cuja legislação consagra diretamente a discriminação das mulheres e a tutela masculina.

Apesar dos avisos das organizações de defesa dos direitos humanos, o país manteve, no ano passado, todas as disposições legais que facilitam a violência doméstica e o abuso sexual no casamento e recusou falar com ativistas para alterar a situação.

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Situação foi denunciada por Cristina Palavra, companheira de Dani Rodríguez.

Notícias ao Minuto | 08:43 - 10/01/2025

Mas o que é a tutela masculina? E como 'atua' em várias regiões?

A tutela masculina, que obriga as mulheres a pedirem autorização ao marido, pai ou irmão para tomarem decisões, vai mais longe no Qatar, onde recusar ter relações sexuais é "motivo legítimo" para uma mulher perder o sustento conjugal, sendo que não podem trabalhar fora de casa sem autorização.

Nos Emirados Árabes Unidos foram feitas, no ano passado, algumas "reformas limitadas" para proibir a discriminação com base no sexo, elogia a HRW, lamentando, no entanto, que se mantenha a tutela masculina, incluindo a permissão dos maridos "disciplinarem" as mulheres, que é, na prática, uma aceitação da violência doméstica.

No Irão e no Iraque, países que, como sublinha o relatório, estão a lutar contra "as normas patriarcais enraizadas", as autoridades intensificaram, em 2024, as restrições impostas.

O uso do 'hijab' (véu muçulmano) pelas iranianas passou a ser mais vigiado, sendo que muitas foram processadas por se recusarem a obedecer, enquanto no Iraque o parlamento deu início a uma discussão para alterar a legislação a fim de permitir que sejam as autoridades religiosas, em vez do Estado, a gerir as questões relacionadas com casamento e heranças, removendo por completo qualquer proteção para as mulheres.

Também as mulheres dos países africanos constituem uma preocupação constante da HRW, já que, em muitos casos, as taxas de femicídio crescem de forma alarmante, a violência doméstica e sexual é quase generalizada, e muitos países ainda praticam a mutilação genital e os casamentos infantis.

No relatório de 2024, a HRW destaca casos como a Somália, onde 99% das raparigas e mulheres entre os 15 e os 49 anos foram submetidas a mutilações genitais, como o Quénia, onde uma média de 13 raparigas foram assassinadas a cada semana do ano passado ou mesmo como a África do Sul, que "se estima ter uma das mais elevadas taxas de violações do mundo e uma taxa estimada de femicídio cinco vezes superior à média global".

Apesar da prática da mutilação genital feminina não ser realizada em todos os países, há territórios em que podem ser denunciadas. E o caso de Portugal, onde já em 2023 a médica interna de Saúde Pública Raquel Vareda alertava para a subnotificação destes casos por cá - quer fosse por desconhecimento da plataforma existente para denunciar tais casos, quer fosse pela falta de formação nas faculdades portuguesas.

"Existe subnotificação. Não estamos a encontrar estas mulheres mutiladas"

Raquel Vareda, médica interna de Saúde Pública, é a entrevistada desta segunda-feira do Vozes ao Minuto.

Teresa Banha | 10:30 - 06/02/2023

Apesar destas situações, é na Ásia que se situa o país onde a perda de direitos das mulheres é mais flagrante.

No Afeganistão, as restrições impostas pelos talibãs agravam-se todos os anos desde que aqueles regressaram ao poder, em 2021.

No ano passado, o governo 'de facto' passou a proibir as mulheres de terem acesso livre a cuidados de saúde, de praticarem desporto, visitarem parques ou cantarem em público, e anunciou, em agosto, uma nova lei de "promoção da virtude" que impede as mulheres de viajar ou utilizar transportes públicos sem a presença de um homem guardião.

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A lei para "promover a virtude e prevenir o vício" entre a população foi promulgada no Afeganistão, em conformidade com a 'Sharia' (lei islâmica), anunciou quarta-feira o Ministério da Justiça talibã.

Lusa | 16:27 - 22/08/2024

Mas não foi só aqui que a situação piorou. Na Rússia, as autoridades regionais pressionaram todas as clínicas privadas para deixarem de realizar abortos, na Indonésia passou a ser crime a distribuição de informação sobre contracetivos e aborto, em Myanmar a junta militar no poder extinguiu as sanções às forças militares que sujeitem civis a violações em grupo, torturas e mutilações sexuais, e nas Filipinas o congresso chumbou legislação que proibiria a discriminação de género.

A proibição total ou muito condicionada do aborto é a violação dos direitos das mulheres mais generalizada no continente americano.

No ano passado, refere a HRW, 12 estados dos Estados Unidos proibiram o aborto, enquanto vários outros impuseram restrições severas, e foram mantidas as disparidades raciais no acesso aos cuidados de saúde, sobretudo no sul do país.

Dois anos depois, acesso ao aborto divide Estados Unidos ao meio

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A decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos de revogar o direito federal ao aborto, deliberação que marca hoje dois anos, dividiu de forma profunda o país no acesso a cuidados de saúde.

Lusa | 08:09 - 24/06/2024

Na Venezuela, Honduras, Nicarágua e El Salvador, países onde o aborto é criminalizado em qualquer circunstância, os cuidados de saúde feminina e de contraceção sofreram mais restrições.

O México, pelo contrário, conseguiu despenalizar o aborto em 19 dos seus estados, mas, segundo refere a HRW, as autoridades não garantem o acesso das mulheres aos serviços.

Já o Brasil enfrenta um problema crescente de violência doméstica, tendo um inquérito nacional publicado em 2024 mostrado que quase metade das mulheres já foi alvo deste crime.

Um inquérito semelhante mostrou um número quase idêntico de violência doméstica na Guatemala, enquanto a Colômbia registou um crescimento alarmante da exploração sexual das mulheres, vítimas, em muitos casos, de tráfico de seres humanos.

A Europa foi a região do mundo onde os direitos das mulheres conseguiram mais avanços em 2024.

Em março, a França consagrou a liberdade do aborto na sua Constituição e o início, em setembro, de um julgamento sem precedentes pelas violações múltiplas de uma mulher organizadas pelo marido gerou uma onda generalizada de mobilização que levou os deputados a discutirem legislação mais severa para o crime.

Já em Itália, a violência sexual e de género continuou a ser uma preocupação séria, com estatísticas do Governo publicadas em julho a mostrarem um aumento constante desde 2021 dos casos de violência doméstica e na Alemanha este crime foi a causa de morte de 92 mulheres.

Também na Grécia a prevalência da violência doméstica levou a Comissão Nacional dos Direitos Humanos a instar o Governo para que criminalize o femicídio e reforce o apoio às mulheres e as investigações destes casos.

As preocupações da HRW abrangem ainda a Hungria, onde o Governo continua a proibir a venda de contraceção de emergência mesmo em casos de agressão sexual, assim como a Polónia, onde os ativistas continuam a pedir a despenalização do aborto e o Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres concluiu que a restritiva lei do aborto inflige graves danos às mulheres.

Leia Também: Portuguesa Myriam Taylor luta contra mundo em que cabelo afro é barreira

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