As relações entre França e Argélia, historicamente tumultuosas, deterioraram-se nos últimos meses, estando agora os dois países à beira de uma rutura.
A imigração, o Saara Ocidental e a detenção de personalidades e intelectuais influentes desencadearam a atual crise diplomática entre os dois países, sem precedentes desde a independência da Argélia em 1962, e agora alimentada por numerosas controvérsias.
Fique a par do que está em causa
Saara Ocidental, uma causa bélica
A crise atual foi desencadeada em julho de 2014 pelo reconhecimento, pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, da "soberania marroquina" sobre o Saara Ocidental.
Trata-se, de acordo com a agência de notícias France-Presse (AFP), de uma "rutura espetacular" com a posição tradicional da França, até então alinhada com a ONU, ao considerar o território como "não autónomo" e sem um estatuto definido.
A antiga colónia espanhola em África, 80% da qual é controlada por Marrocos, é reivindicada há 50 anos pelo movimento de libertação saarauí Frente Polisário, apoiado pela Argélia.
Aclamada como uma grande vitória diplomática por Rabat, a decisão foi vista como uma traição histórica por Argel, que chamou o embaixador em Paris e denunciou uma violação da "legalidade internacional".
O ministro da Cultura e o presidente do Senado de França deram, recentemente, mais um passo simbólico, ao visitarem o Saara Ocidental, com Paris a considerar agora o plano de autonomia sob soberania marroquina "como o único e exclusivo quadro para a resolução" da questão.
Imigração em causa
Historicamente, os dois países têm mantido laços estreitos em termos de população, um a vez que os argelinos encabeçam a lista das nacionalidades estrangeiras presentes em França. Números oficiais indicam que, em 2024, viviam em França 649.991 argelinos.
Hoje, o ministro do Interior francês, Bruno Retailleau, que ameaçou demitir-se caso o Governo cedesse às pretensões argelinas, acusou a Argélia "de atacar" França, apelando nomeadamente para que fossem "postas em causa as facilidades consulares concedidas aos titulares de passaportes diplomáticos".
Na segunda-feira, Argel recusou-se a aceitar a lista de argelinos expulsáveis fornecida por Paris dias antes, reiterando "a rejeição categórica" de ameaças, intimidações e ultimatos de França.
A recusa de Argel em aceitar vários cidadãos obrigados a abandonar o território francês, incluindo o autor de um atentado que matou uma pessoa em Mulhouse (leste de França) a 22 de fevereiro, veio agravar a situação.
O primeiro-ministro francês, François Bayrou, ameaçou mesmo denunciar o acordo de 1968, que confere um estatuto especial aos argelinos em França em termos de circulação, residência e emprego, lançando um ultimato de seis semanas para que os argelinos em situação irregular fossem readmitidos na Argélia.
No entanto, no início de março, Macron tentou apaziguar a crise, dizendo que era "a favor, não de denunciar, mas de renegociar" o acordo.
Polémica em torno dos influenciadores
As tensões agravaram-se ainda mais com a detenção em França, no início do ano, de influenciadores ('influencers') argelinos por defenderem a violência nas redes sociais. Alguns opositores argelinos em França sugeriram que estes influenciadores estavam a ser manipulados por Argel.
Na terça-feira, em Lyon, foi pedida uma pena de prisão suspensa de um ano para a influenciadora Sofia Benlemmane, acusada de "ameaças de morte" a opositores argelinos.
Outro influenciador, Zazou Youssef, foi condenado em Brest, no final de fevereiro, a 18 meses de prisão e a dez anos de proibição de entrar em França por ter defendido atentados em França e violência na Argélia.
Ainda outro 'influencer', "Doualemn", foi condenado a cinco meses de prisão, com pena suspensa, em Montpellier, em março, depois de ter difundido um vídeo em que apelava a que um opositor argelino fosse 'severamente espancado'.
Prisão de Boualem Sansal
Em sentido contrário, Paris considerou arbitrária a detenção, desde meados de novembro, na Argélia, do escritor franco-argelino Boualem Sansal, idoso e doente de cancro, sem acesso ao advogado francês.
Sansal está a ser julgado por declarações feitas em França a um órgão de comunicação social de extrema-direita, e que Argel considerou um atentado à integridade do território argelino.
A questão da memória, uma ferida aberta
A aproximação conseguida com Argel em 2022, com o lançamento de uma comissão mista de historiadores sobre a difícil questão da memória, foi particularmente afetada pela crise atual.
A conquista da Argélia, a partir de 1830, a destruição das estruturas socioeconómicas através de deportações maciças e a repressão feroz de numerosas revoltas antes de uma sangrenta guerra de independência (1954-1962) causaram a morte de 1,5 milhões de argelinos, segundo a Argélia, ou 500.000, incluindo 400.000 argelinos, segundo os historiadores franceses.
Esta história é regularmente explorada pelos dois poderes políticos, segundo os especialistas, com a omnipresença, do lado argelino, da narrativa nacional sobre a guerra de independência e, do lado francês, a preocupação de poupar os que se opõem a qualquer arrependimento.
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