"Gostaríamos que tivesse vindo à China", observou à agência Lusa um seminarista chinês, de 28 anos, que se identifica como Joseph. "Como não pôde, trouxemo-lo simbolicamente até aqui".
Apesar de não ter visitado o país, os 12 anos de pontificado de Francisco ficaram marcados por uma reaproximação inédita entre o Vaticano e a República Popular da China, que resultou num acordo histórico sobre a nomeação dos bispos católicos chineses.
O regime comunista reteve a autoridade de propor os nomes dos candidatos a bispos, mas é agora o Papa que tem a palavra final, podendo aprovar ou recusar a nomeação.
"Ele [Papa Francisco] desempenhou um papel fundamental na redefinição do diálogo com Pequim", observou Michel Chambon, especialista em cristianismo na Ásia da Universidade Nacional de Singapura, citado pela agência France Presse.
"Pela primeira vez, o Governo chinês reconheceu que o Papa podia ter uma palavra a dizer na gestão dos católicos chineses", sublinhou.
Não é coisa pouca: o Partido Comunista Chinês (PPC) desconfia de qualquer organização que possa ameaçar a sua autoridade e ainda mais envolvendo um Estado estrangeiro, como é o caso do Vaticano.
Em declarações à agência Lusa, um padre europeu radicado em Pequim explicou que "uma das lutas do Governo chinês é exatamente 'achinesar' muitos dos conceitos e da lógica das religiões não-asiáticas" e garantir que o "patriotismo" prevalece entre crentes e sacerdotes.
A arquitetura do Seminário Católico da China reflete esse processo. Construída em 2000, a igreja apresenta uma forma circular, em tijolos vermelhos, com um triplo telhado de telhas azuis. Uma espécie de miniatura da Sala da Oração pelas Boas Colheitas, um dos principais templos de Pequim.
Apenas os vitrais e uma discreta cruz no topo distinguem esta construção de um qualquer templo taoista; no interior, o altar, elevado apenas por um degrau, é adornado com uma mesa tradicional chinesa de madeira. Um pequeno e discreto crucifixo é a única imagem religiosa aqui exposta.
Mas há mais para além do que se vê à superfície.
Percorrendo as escadas situadas por detrás do altar e um longo corredor chega-se à cave da igreja, onde na quase total escuridão se vislumbram vultos de crentes ajoelhados, em torno de uma imagem de Cristo com cerca de um metro e meio, erguida por detrás de um altar de pedra.
"A morte do Papa Francisco é uma tristeza para todos os que buscam um mundo mais justo", afirmou à Lusa um crente. "Apesar das barreiras políticas, muitos católicos chineses sentiam um vínculo profundo com ele", descreveu outro.
Assinado em 2018 entre Pequim e a Santa Sé, o acordo previa renovações bienais. No entanto, num sinal de relações cada vez mais cordiais, as duas partes anunciaram, em outubro passado, a prorrogação da sua validade por um período de quatro anos.
O conteúdo exato, que nunca foi tornado público, suscitou reações contrastantes.
Alguns veem o acordo como um aumento do controlo de Pequim sobre o papel da Igreja na China, enquanto outros o acolhem como um passo para uma maior compreensão.
Para Joseph, a aproximação entre ambos os lados "só pode ser boa notícia". O seu sonho é um dia visitar o Vaticano. E quando se sugere que, talvez no futuro, o Papa venha a ser chinês, os seus olhos brilham. "Nunca se sabe, o mundo dá muitas voltas", disse.
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