Diana, Inês e João são três dos cerca de 300 universitários açorianos a estudar em Portugal Continental, que há mais de um mês esperam (e desesperam) por um avião que os leve de regresso a casa em segurança.
A pandemia da Covid-19 trouxe a estes estudantes ainda mais milhas no cartão de embarque da saudade.
Em março, quando as aulas presenciais começaram a parar e viram os colegas de curso retornarem às suas terras, estes universitários deixaram-se ficar nos quartos que arrendaram no continente para não levar o coronavírus para a região. A preocupação com os seus foi o fator decisivo. Mas alguns confessam ter sentido pressão, por parte do Governo Regional dos Açores, para continuarem nas cidades onde estudam.
Entretanto, os dias passaram-se. Ao arquipélago chegou o novo coronavírus. E até um infetado com Covid-19 conseguiu fugir à quarentena, apanhar o avião no Porto e viajar para os Açores. Para reduzir ao máximo o risco de propagação do vírus, o Governo Regional decidiu suspender o transporte aéreo entre ilhas efetuado pela SATA. A TAP, por sua vez, continuou a voar, mas com um número reduzido de voos e apenas para as ilhas de São Miguel e Terceira.
A medida, que foi bem vista pela maioria dos açorianos e até por estes estudantes, está, contudo, a trazer custos emocionais e financeiros adicionais. Não sabem quando é que poderão voltar às suas ilhas e apenas têm obtido parcas respostas por parte do Executivo açoriano.
Ao Notícias ao Minuto, Diana Batista, natural do Pico e a estudar Matemática em Coimbra, explica que até consegue marcar passagem num voo comercial da TAP para os Açores, mas que para chegar à sua ilha demoraria semanas.
“Eu consigo marcar uma passagem num voo comercial da TAP que me leva até à Terceira ou a São Miguel, onde tenho de realizar uma quarentena, numa unidade hoteleira [paga pelo Governo dos Açores], que supostamente duraria cerca de 15 dias. Contudo, estão a demorar mais dias e algumas podem chegar às cinco semanas”, diz.
Isto acontece porque, além a quarentena obrigatória decretada pelo Governo Regional a quem chega ao arquipélago, todas as pessoas têm de, ao fim dos 15 dias, ser testadas à Covid-19. Depois de receberem o resultado do teste, mesmo que este seja negativo, se quiserem voar para uma das outras ilhas, que não Terceira e São Miguel, têm de esperar que exista um voo disponível o que está a acontecer muito pontualmente.
Pedido de "operação de resgate segura" sem resposta
Diana percebe que assim seja para o bem da região, mas frisa que após um mês e meio de sacrifício pelos seus e pela comunidade, chegou a altura de o Governo Regional resgatar estes estudantes e levá-los de uma forma segura a casa.
A universitária deixa até uma sugestão. Diz que depois de um levantamento de todos os estudantes nesta situação e a recolha terrestre dos mesmos, o Executivo açoriano devia fretar aviões “exclusivos” para estes jovens e levá-los a cada uma das suas ilhas, ou então até às ilhas de São Miguel e Terceira, onde fariam quarentena, desde que, sublinha, “fosse garantida a maior rapidez na distribuição dos alunos pelas suas ilhas após terminados os 15 dias. O que atualmente não é garantido”.
A sugestão de Diana é a mesma da maioria dos estudantes que estão nesta situação. Por isso, no início de abril, 125 dos cerca de 300 alunos deslocados no continente decidiram enviar uma carta ao Executivo açoriano a pedir uma “operação de resgate segura”.
Para tentar obter mais esclarecimentos sobre esta recusa, o Notícias ao Minuto contactou o gabinete da Secretária Regional da Saúde. Esta autoridade começou por salientar que o Executivo açoriano está “solidário com os estudantes e as suas famílias, neste momento tão difícil”, contudo, frisa que, “no contexto atual e tendo em conta a necessidade de manter as medidas que visam reduzir os riscos de difusão da Covid-19, o Governo dos Açores considera que os alunos açorianos deslocados que pretendem regressar à Região devem fazê-lo através dos voos da TAP que se realizam para as ilhas Terceira e São Miguel”. Ou seja, “todos os estudantes que optarem por regressar terão, à semelhança de qualquer outro passageiro, de cumprir o período de quarentena obrigatória num estabelecimento hoteleiro previamente definido” numa destas duas ilhas.
Sobre o encaminhamento dos estudantes para as ilhas de onde são naturais e para as quais não estão a ser realizados voos, o gabinete da Secretária Regional da Saúde garante que “estão a ser recolhidas informações, através dos canais de comunicação criados para o efeito - Linha Verde de Apoio ao Estudante Deslocado - 800 24 25 26 e email apoioestudantes@azores.gov.pt - , até ao dia 30 de abril, para aferir o número total e fidedigno dos estudantes em causa, bem como das suas ilhas de origem, altura em que será feita a avaliação das medidas tomadas e serão ponderadas soluções”.
Apoios disponibilizados pelo Executivo açoriano ainda não chegaram
Entretanto, além da Linha Verde, o Governo dos Açores disponibilizou apoio financeiro e psicológico aos estudantes deslocados em situação de carência, algo que ainda não chegou, pelo menos, aos três estudantes com quem o Notícias ao Minuto falou.
Questionado sobre este atraso, o gabinete da Secretária Regional da Saúde clarificou que “as regras de acesso aos apoios foram publicadas na passada sexta-feira [17 de abril]” e pretende que seja “um processo célere”. Mas não avançou com datas.
Perante a falta de respostas concretas por parte do Governo Regional dos Açores, os 125 estudantes decidiram enviar uma carta também ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a implorar intervenção, um pedido que aguarda ainda resposta. “Acreditamos que a carta ainda não lhe chegou às mãos devido a toda uma filtragem existente a diferentes níveis”, atira Diana.
"Retida, longe de casa, da família"
Em tempos de pandemia e tantas incertezas, a aluna de Matemática confessa sentir-se abandonada no continente, “especialmente pelo Governo que mais devia compreender”, ou seja, “o regional”.
“Quando o Presidente da Região Autónoma dos Açores pediu publicamente para não irmos, nós ouvimos. Ficámos. Mas nesse espaço de tempo chegavam aviões do estrangeiro, cruzeiros, entre outros, que se revelaram ser, em algumas ilhas, o verdadeiro foco do vírus. Essas pessoas mereceram voltar, a maioria fez quarentena, tal como nós faríamos. Estamos fechados há cerca de cinco semanas, o que torna a nossa chegada à região tão difícil de aceitar?”, questiona.
Já Inês Brum, natural do Pico, a estudar Gestão de Empresas em Tomar, confessa que entretanto perdeu a esperança. Ao Notícias ao Minuto conta que vive numa casa arrendada com outras duas raparigas. Uma delas encontra-se na mesma situação, é uma estudante deslocada. A outra, no dia 13 de março, quando as aulas presenciais do Politécnico foram suspensas, rumou para a sua terra.
Quanto ao motivo que a levou a permanecer no continente, quando as ligações aéreas para os Açores ainda estavam normalizadas, Inês diz que foi “acima de tudo por respeito ao pedido feito pelo presidente do Governo dos Açores, para que os estudantes não se deslocassem para a região”. A esse pedido ‘em honra de uma causa maior’, juntou-se o medo de ser portadora do vírus e de poder contaminar os familiares e os restantes habitantes da sua ilha. Contudo, admite que nunca pensou que o regresso a casa demorasse tanto tempo e fosse tão difícil.
“Quando tomei a decisão de permanecer cá, não fazia ideia das proporções que esta pandemia ia tomar. Nunca imaginei. E agora estou aqui retida, longe da minha casa, da minha família e por tempo indeterminado", conta.
Para a jovem, a solução está nas mãos do Executivo açoriano, pois, afirma Inês, “não é de todo saudável ficar ‘enclausurado’ num quarto de hotel” durante mais do que as duas semanas de quarentena obrigatória.
“O Governo deveria fazer um ou dois voos exclusivos para os estudantes, podendo estes serem agrupados por ilhas, de modo a facilitar a logística. Uma vez que o Governo regional é detentor da SATA e que esta já prestou serviços, nomeadamente, ir à China buscar material médico, porque não fazer este sacrifício pelos estudantes?”, questiona a estudante de Gestão de Empresas.
Quanto aos apoios prometidos, Inês revela que assim que foram disponibilizados ligou para a Linha Verde a pedir uma das ajudas. Foi-lhe enviado um formulário, o qual já preencheu e submeteu, mas, até esta terça-feira, ainda não tinha obtido qualquer tipo de resposta, nem sequer se tinha direito ao apoio.
Tal como Diana, Inês sente que o Governo Regional abandonou os seus estudantes no Continente.
“Quando nos foi pedido para ficarmos cá, nós respeitámos as recomendações do Governo dos Açores. Agora estamos a pedir ajuda para nos levarem às nossas ilhas, às nossas casas, às nossas famílias, e a única coisa que fazem é negarem-nos esse direito. Percebo a situação problemática que o país está a viver, mas quando vemos que os esforços são possíveis para alguns, nomeadamente, ir buscar professores, transportar reclusos entre outros. Pensamos: ‘Então? Afinal é possível!’”, atira Inês, acrescentando ainda que tem sido “desesperante” e “muito difícil, principalmente a nível psicológico, lidar com todas estas incertezas".
Já João Pessanha, natural da ilha de São Miguel e a tirar Desporto em Beja, começa a ver uma luzinha ao fundo do túnel depois de um mês e meio de luta.
Tal como Inês e Diana, em março, depois de ouvir as autoridades regionais a recomendarem que os alunos açorianos deslocados deviam permanecer no local onde estavam, pensou na avó e no risco de a poder infetar e achou que o melhor era ficar no continente. Não pensou foi que o regresso casa fosse tão complicado.
Já no final de março, ao ser informado da obrigatoriedade de ficar de quarentena num hotel de São Miguel (pago pelo Governo Regional) e com isso reduzir os riscos para a família e restante comunidade, decidiu marcar viagem de regresso a casa.
O único voo disponível na TAP era no dia 5 de abril. Contudo, quando pensava que tudo estava resolvido, com menos de 24 horas de antecedência, a companhia aérea “decidiu cancelar o voo” e remarcar para outra data à revelia de João, para um mês depois, a 5 de maio. “A sorte foi que eu e os meus colegas [também naturais de São Miguel] ainda não tínhamos partido de Beja, se não, a situação seria muito mais complicada, pois não teríamos maneira segura de voltar à cidade onde estudamos”, conta.
Entretanto, a TAP começou a fazer mais voos por semana para os Açores e João, assim como outros quatro colegas micaelenses que estudam com ele em Beja, conseguiram marcar viagem para esta quinta-feira, dia 23 de abril, para regressar finalmente a casa.