"Tem de se utilizar o princípio da oportunidade, sob pena de quem investiga tudo nada investiga, e processos excessivamente conexos em termos de organizações criminais são muitas vezes potenciadores da impunidade em julgamento", afirmou a magistrada jubilada numa conferência 'online' sobre os chamados mega-processos e corrupção promovida pela Universidade Católica Portuguesa e pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Sobre os mega-processos económico-financeiros, Maria José Morgado começou por falar sobre a importância da denúncia do crime e a compensação dos denunciantes, que neste tipo de crimes por norma estão sob um pacto de silêncio.
"O primeiro pecado que temos nos mega-processos tem a ver com a denuncia do crime, porque estamos a falar de uma criminalidade subterrânea, não tem ofendidos identificáveis e normalmente em todos eles há um grande distanciamento entre a data da prática do crime, o início da investigação, a acusação, o julgamento e a decisão final", observou.
Entende a magistrada que tem uma carreira de mais de 40 anos no Ministério Público, que na denúncia dos crimes ecnómico-financeiros "é preciso dar especial atenção à compensação dos denunciantes", defendendo a revogação da norma dos 30 dias para aceitação da denuncia, considerando-a "perfeitamente caricata e ineficaz", algo que o Governo já disse estar a ponderar alterar.
Em contrapartida, sugeriu, é necessário criar mecanismos de compensação legal para quem contribui ativamente na descoberta da verdade "e que está de boa fé e disposto a quebrar o pacto de silêncio".
Sobre a recente estratégia de combate à corrupção, Maria José Morgado afirmou que a prevenção tem sido "incipiente" e que "não corresponde às exigências do fenómeno do crime económico", reiterando que o estado falhou neste desiderato de prevenir este tipo de crimes.
"A prevenção é essencial e decisiva. O direito penal é a última ratio, mas a prevenção falhou nas várias áreas", sustentou a magistrada jubilada.
Dando como exemplo as declarações dos financiamentos de campanhas partidárias ou a riqueza de titulares de cargos públicos observou que estas "não podem ser feitas de forma meramente formal".
O juiz conselheiro Mouraz Lopes foi outro dos palestrantes, tendo sublinhado o atual "profissionalismo jurídico de quem comete crimes" económico-financeiros que "são hoje requisitos estruturais que não podem ser omitidos".
"Não é possível realizar transações financeiras internacionais, participar em negócios jurídicos que envolvam complexas engenharias financeiras ou utilizar empresas como se fosse matrioscas para fazer circulação de bens e património sem dominar os sistemas legais internacionais", observou.
Segundo Mouraz Lopez, agora começa a identificar-se o que se passa com as estruturas de compliance, "que teoricamente deviam servir para as empresas se protegeram, mas que muitas vezes são utilizadas para dificultarem a investigação, ocultarem provas e branquear factos que responsabilizariam as próprias empresas e as pessoas que estão à frente delas".