Cético sobre o apoio ao luto à distância, o fundador da Apelo -- Apoio à Pessoa em Luto -, José Eduardo Rebelo, assumiu ter sido "com muita relutância" que a associação abriu uma sala na plataforma Zoom para "continuar a prestar auxílio a quem o procura".
"A presença empática [de um conselheiro] é extremamente importante, ainda para mais numa situação de vulnerabilidade como é o luto", considerou, admitindo, no entanto, que "em tempos de isolamento o apoio à distância é um mal menor".
Fundada em Aveiro, em 2004, a associação promove o apoio às pessoas, famílias e comunidades em luto, contando com delegações em Lisboa, Coimbra, Estremoz e no Brasil.
Desde 2010 conta também com o "Espaço Luto", um centro de investigação e de formação de conselheiros do luto que apoiam quem os procura, quer por morte de familiares, seja por outras perdas, sentidas, por exemplo, em casos de divórcio, nascimento de filhos deficientes, amputação de membros ou, nalguns casos até, por desvalorização social", explicouo também professor na Universidade de Aveiro.
O apoio no luto é dado presencialmente, sobretudo, em Portugal, mas, através do telefone e de plataformas digitais, já chegou "a um emigrante na Rússia e outro no Brasil", entre outros pedidos feitos à Apelo.
Apesar do elevado número de mortes relacionadas com a pandemia de covid-19, José Eduardo Rebelo assegurou que, na associação, os pedidos de apoio não aumentaram.
"Em média, nos últimos três anos, o número de pedidos rondou os 60" e, desde o início da pandemia, em março, a Apelo "registou, em 2020, cerca de 40 pedidos", enumerou.
Nesta associação o apoio é dado individualmente e não em grupo, pelo que ofacto de não se ter registado um aumento de pedidos, poderá estarmais relacionado com a circunstância de "as pessoas estaremmais preocupadas com a sua própria sobrevivência", do que propriamente com as restrições inerentes àpandemia, considerou o fundador.
O luto, esse, "faz-se sempre", num processo que, embora seja único para cada pessoa, surge agora com algumas a manifestar mais "raiva por não se terem podido despedir", referiu.
"Estou desesperado", "fiz o funeral e não pude despedir-me", "nem sequer sei se está vestido", são alguns dos lamentos ouvidos por Ana Cristina Farias e por outros oito pais que exercem a função de moderadores na associação Laços Eternos.
Vocacionada para o apoio a pais ou irmãos em luto, a associação apoiou, desde a sua fundação, em 2013, 252 famílias, em reuniões mensais nas delegações de Parede (Cascais), Évora, Faro, Pombal, Castelo Branco, Porto, Braga, Guimarães e Lisboa, esta última com três grupos ativos, dada a maior procura.
Desde janeiro "nota-se um aumento de pedidos", em grande parte de famílias enlutadas na sequência da pandemia, entre as quais "uma senhora de 82 anos que perdeu o marido e um filho", ou dois casais que "perderam um filho cada", exemplificou Cristina Farias.
Com a pandemia vieram também as mudanças na associação que privilegia o apoio em grupo, mas que, face ao confinamento, passou a realizar as reuniões 'online'.
Para Cristina Farias, "não há nada como a partilha olhos nos olhos", lamentando que as reuniões virtuais deixem de foram quem não domina as novas tecnologias ou aqueles para quem "não faz sentido reunir sem ser presencialmente".
Até porque, nas reuniões presenciais, "quando alguém se emociona, há quem ao lado ofereça um lenço" e, os encontros começam "com um abraço", recordou, assegurando que "não há nada mais reconfortante".
Durante o confinamento, a partilha faz-se ainda por telefone, quer nestas duas associações, quer em Portimão, na Associação Amparo, a funcionar numa sala cedida pela paróquia de Nossa Senhora do Amparo, desde 2014.
Na Amparo, o grupo de cerca de uma dezena de pessoas que todas as segundas e sextas-feiras de cada mês partilhava as suas experiências sobre o processo de luto, "reuniu-se pela última vez em dezembro", lembra Márcia Cunha, a psicoterapeuta fundadora da associação e que, em conjunto com o padre Frederico, dinamiza as reuniões.
Na sala da paróquia, onde "todas as religiões são bem-vindas", a única regra é que, perante o luto de cada um, "não há críticas, nem julgamentos", nem sequer a obrigatoriedade de partilhar experiências. "Fala quem quer, quando quer", assegurou a moderadora do grupo, a quem cabe, quando não há partilhas, "lançar um tema para debate".
Ultimamente, "a conversa acaba por recair na pandemia, nas novas regras, nas restrições, nos medos e na solidão". Às vezes, contou Márcia Cunha, "na revolta" expressa pela única pessoa que ali processa um luto associado à pandemia.
"O luto ainda é um tabu muito grande", afirmou, justificando a dificuldade que "muitas pessoas ainda sentem em pedir auxílio" e a relutância em participarem em grupos onde podem "encontrar o conforto de ouvir experiências semelhantes às suas e perceberem que, perante a perda, cada um faz o seu caminho".
No grupo há quem, por exemplo, "tenha perdido o emprego" e nessa "reviravolta da vida" tenha procurado ajuda na Amparo.
Na Amparo não há reuniões através da internet e, com a sala da paróquia fechada devido à pandemia, é através do telefone que Márcia faz chegar o apoio a quem precisa.
Com o padre temporariamente ausente, é ela quem atende todos os que telefonam. E se não o fazem, é ela quem telefona: "A saber se estão bem, se precisam de desabafar, ou apenas de conversar, para atenuar a solidão do isolamento".
Quando a pandemia acabar acredita que "mais pessoas procurem apoio, porque ainda há muita gente em negação ou em choque pela morte de familiares".
Já a mensagem que deixa é comum à dos responsáveis pelas outras associações: "com ou sem confinamento haverá sempre ajuda no luto para quem a solicitar", nos contactos geral@apelo.pt (917 052052), lacoseternos.associacao@gmail.com (911 581103) e amparogrupoluto@hotmail.com (919 968378).
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