O estudante, de 19 anos, suspeito de planear um ataque à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa admitiu, esta terça-feira, na primeira sessão de julgamento, ter tido a intenção de cometer o crime, a vontade de "atirar cocktails molotov, setas e esfaquear pessoas", mas considerou que não teria "coragem para matar uma pessoa".
Na primeira sessão do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa, João Carreira, de 19 anos, João Carreira estará a fazer um "relato impressionante" do que pretendia fazer. As declarações do jovem estão a surpreender não só o coletivo de juízes, como todos os presentes.
"Talvez ir para o auditório e atirar cocktails molotov, atirar setas, esfaquear pessoas", respondeu o arguido ao juiz sobre o que pensava fazer quando chegasse à Faculdade de Ciências, sublinhando como motivações "a depressão, o facto de estar em Lisboa e querer a atenção das pessoas da comunidade".
Já a identidade das vítimas não interessava, pois não queria "atingir ninguém em especial".
"Acho que não tinha coragem para matar uma pessoa"
O arguido está a relatar, já segundo a Lusa, "num tom monocórdico e inexpressivo" aquilo que foi a preparação para um ataque, que garante, foi mesmo preparado ao detalhe.
Pensou fazê-lo num dia de exames, numa sala com cadeiras agarradas ao chão, para que não pudessem ser arremessadas na altura do ataque. Apesar disso, pensou em várias datas, pelo menos quatro, antes de 11 de fevereiro, dia escolhido para o atentado e em que acabou detido.
Questionado pelos juízes sobre as razões que levaram aos adiamentos, o universitário respondeu que, na verdade, acha que não tinha coragem. "Porque não queria. (...) Acho que não queria fazer aquilo realmente. (...) Acho que não tinha coragem para matar uma pessoa", disse.
Já as armas encontradas em sua casa foram, segundo João, adquiridas na internet e numa loja de caça, em Lisboa.
"Comprei as armas no OLX e numa loja de caça", confessou. No OLX terá comprado uma besta e uma faca militar, no final de janeiro. Já na loja de caça terá comprado um punhal.
O grande objetivo, revelou ainda o réu, "era matar pelo menos três pessoas", porque para a comunidade de fascinados por assassinatos em massa esse é o número mínimo para que seja considerado um destes homicídios.
João Carreira assumiu ainda que sentia um fascínio por assassinatos em massa desde 2018, quando assistiu a uma notícia sobre um destes casos, nos EUA. A partir daí, começou a frequentar fóruns, na internet, "pela psicologia dos assassinos".
A certa altura o aluno reconheceu ter noção de que aquilo que pensava fazer na Faculdade de Ciências "era errado" e até admitiu ter pensado em recorrer a ajuda psicológica.
"Pensei um bocado, mas depois desisti", explicou, revelando ter tido anteriormente acompanhamento médico por causa do autismo, mas que não contactou o médico por já não falar com ele há muito tempo e por pensar que "podia resolver o problema sozinho".
O "pacto de suicídio" com colega da Faculdade de Ciências
Foi através do Tumblr que o jovem disse ter conhecido Micaela, jovem que contactou a partir de 2018 e que chegou a conhecer pessoalmente em outubro de 2021, reconhecendo um "amor platónico" que nunca se materializou numa relação.
"Sim, tinha um tipo de atração por ela... diria que era amor platónico. Mas os pais dela não gostaram de mim quando fui a casa dela", afirmou, admitindo ter ficado "um bocado deprimido" com a situação e que tinha vindo estudar para Lisboa por causa do interesse que tinha por Micaela.
Todavia, garantiu não ter falado com a jovem sobre o plano do ataque e, sim, com outra colega na Faculdade de Ciências, Riya, com quem comunicava em inglês, chegando a ponderar um "pacto de suicídio" com a jovem de nacionalidade nepalesa, que referiu que também não parecia estar satisfeita na Universidade de Lisboa.
Questionado sobre a forma como olhava para o plano de ataque que pensou executar, João Carreira manifestou ter agora consciência do que estava em causa.
"Penso que foi péssimo ter pensado nisso. Agora sinto-me melhor, tenho estado bem. Não continuo a ter [esses pensamentos], estão a desaparecer. Era péssima a minha ideia, porque era errada e porque acho que também não ia conseguir matar nenhuma pessoa. Moralmente, é errado matar uma pessoa. Consigo hoje ter a consciência disso, sim", confessou.
O tribunal está de porta aberta, ao contrário do que pedia o advogado de Defesa.
João Carreira foi acusado em julho pelo Ministério Público (MP) de dois crimes de terrorismo, um dos quais na forma tentada, e de um crime de detenção de arma proibida.
Ficou em prisão preventiva desde 11 de fevereiro de 2022, tendo a medida de coação sido substituída por internamento preventivo no Hospital Prisional de Caxias, com o MP a alegar "forte perigo de continuação da atividade criminosa e um intenso perigo de perturbação da tranquilidade e da ordem públicas".
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