"Se ele me deu nestes anos 1.000, 1.200 [euros], é capaz de andar por aí, mais 100 menos 100", afirmou o ex-funcionário do CNP ao coletivo de juízes, referindo-se ao outro arguido, ex-motorista da Segurança Social de Leiria, que se remeteu ao silêncio na primeira sessão do julgamento.
O Ministério Público (MP) acusou ambos do crime de corrupção por, alegadamente, intermediarem, a troco de dinheiro, processos para facilitar a atribuição de pensões.
Ambos incorrem ainda na pena acessória de inibição do exercício de função, sendo que ao ex-funcionário da Segurança Social o MP pede que seja declarada perdida a favor do Estado a quantia de 655.069,43 euros e ao outro arguido 26.357,55 euros, valores supostamente provenientes da atividade criminosa.
O antigo trabalhador do CNP, instituição sediada em Lisboa, declarou ao tribunal que o então motorista ia "muitas vezes a vários serviços" daquela entidade, para entregar correspondências e documentos, e ver colegas para saber de "processos de reformas".
"O senhor (...) começou a levar-me correspondência para eu ver, começámos a ter um certo à vontade um com o outro", referiu, lembrando que aquele chegou a levar, por exemplo, batatas e pão para os colegas e, igualmente, para si.
O arguido, de 64 anos, com a função de auxiliar no CNP, assumiu que recebeu, em mão, quantias de 20 e 50 euros, do antigo funcionário da Segurança Social, mas nunca pediu nada.
"Dizia 'toma lá para as flores [da campa do filho], toma lá para o almoço'. Dizia-me que ajudava as pessoas. Ele dizia 'tenho de ajudar as pessoas'", adiantou, explicando que no CNP "dava entrada dos documentos, fornecia informações daquilo" que aquele pedia, mas negou ter interferência nos processos.
Este arguido assegurou ainda que "não resolvia problemas nenhuns" relacionados com pensões.
"A única coisa que fazia era ligar para cima, para os colegas: 'vê-me lá isto que é de um colega nosso'", esclareceu, salientando que não pedia aos colegas para alterar informação.
À pergunta do juiz-presidente se o ex-funcionário da Segurança Social de Leiria lhe pedia para ver processos e, em contrapartida, lhe dava algum dinheiro, o arguido respondeu: "De vez em quando sim".
E quando questionado com que frequência recebia as quantias, declarou: "20 ou 30 euros por mês, 30, 40, às vezes".
"Eu tinha acesso [ao sistema informático] para registar requerimentos (...), tinha acesso aos dados dos beneficiários, não conseguia alterar os dados", frisou.
Segundo o despacho de acusação, o então funcionário da Segurança Social de Leiria, de 70 anos, acusado de corrupção ativa, elaborou, no mínimo desde 2008, "um plano que lhe permitiria aproveitar os conhecimentos que tinha e, assim, passar a obter elevadas quantias em dinheiro".
Nesse sentido, passou "a prestar serviços a pessoas para efeitos de requerimentos de pensões de velhice ou de invalidez", com aconselhamento técnico e até jurídico, "sempre com preferência pelas pensões de invalidez, na medida em que seriam mais benéficas ao nível dos valores a receber pelos beneficiários.
Este arguido e o ex-trabalhador do CNP, de 64 anos, acusado de corrupção passiva, combinaram que o primeiro começaria a pedir, "mediante contrapartida de pagamentos" ao segundo, "informações e atuações" relativas a determinadas pessoas e ao estado de alguns processos de reforma, sustentou o MP.
Para o MP, o então funcionário da Segurança Social de Leiria, ao organizar este esquema, "pretendeu auferir elevadas quantias monetárias, fazendo com que os processos que organizava dos seus beneficiários tivessem um tratamento administrativo diferenciado, à medida e mais célere".
De acordo com o despacho de acusação, para concretizar este plano, recrutou o funcionário do CNP que conseguia que "fossem tomadas decisões de antecipações de pagamentos a beneficiários", assim como "alterações de dados desses beneficiários".
Na sessão de hoje, foram ouvidas quatro testemunhas. O julgamento prossegue na quarta-feira.
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