Aprovada a 28 de outubro de 1982, a lei n.º 28/82 veio 'moldar' o Tribunal Constitucional (TC), criado então há pouco menos de 30 dias, estabelecendo a sua organização, funcionamento e processo.
Na altura, o clima político era tenso: a primeira revisão constitucional, que consagrou a criação do TC, tinha surgido de um acordo interpartidário entre a coligação governamental Aliança Democrática (AD) -- onde se incluíam PSD, CDS e PPM -- e o PS, provocando o desagrado de todos os restantes partidos.
Assim, em 12 de agosto de 1982, submetido à votação final global no parlamento, o decreto de revisão constitucional foi aprovado com os votos favoráveis do PS e dos partidos da AD, e votos contra do PCP, ASI, UEDS e MDP/CDE, numa votação em que vários deputados socialistas afirmaram só ter votado favoravelmente devido à disciplina partidária.
Promulgada a primeira revisão constitucional, instituindo o fim do Conselho da Revolução, os deputados ficavam agora com a tarefa de, num prazo máximo de 30 dias, aprovarem uma lei que regulasse a organização, o funcionamento e processo do novo Tribunal Constitucional.
Com esse intuito, a 30 de setembro de 1982, o VIII Governo Constitucional -- liderado pelo primeiro-ministro social-democrata Francisco Pinto Balsemão -- enviou para o parlamento a proposta de lei n.º130/II, estabelecendo normas que regulariam o TC. Um diploma que teve por base a proposta apresentada ao Governo por Barbosa de Melo e Cardoso da Costa.
No debate na generalidade, a 08 de outubro de 1982, o então ministro dos Assuntos Parlamentares, e hoje Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apelaria a um "consenso de regime" para aprovar o diploma do Governo, considerando que a "entrada em funcionamento do Tribunal Constitucional" representava "um passo decisivo na institucionalização de uma democracia plena" em Portugal.
"Por isso, neste debate, o mais forte consenso democrático deve sobrepor-se a posições partidárias ou a pruridos de princípio. Por isso, nele, o essencial deve superar o secundário ou acessório. Por isso, a disponibilidade para o diálogo deve afastar a intransigência, a teimosia, a obstinação", pediria.
Apesar deste apelo, o diploma foi alvo de críticas por todos os partidos -- incluindo por alguns deputados do próprio PSD --, com o PCP a liderar a oposição. Os comunistas consideraram a proposta uma "forma despudorada de atentar contra o regime democrático, de precludir ou inverter os sinais de Abril".
"A AD, com esta proposta, cujas vísceras mal sinadas acabam de ser dissecadas, mais não visa do que dispor de um Tribunal Constitucional que dê aparência de legalidade ao arbítrio, cobertura aos atos mais pedestremente afrontadores da ordem jurídico-constitucional", criticou o deputado do PCP José Manuel Mendes.
Apesar das críticas, a proposta de lei viria a ser aprovada na generalidade, com os votos favoráveis do PSD, CDS e PPM, abstenção do PS e votos contra PCP, ASDI, UEDS, MDP/CDE, UDP.
Antevendo um debate 'aceso' na especialidade e a necessidade de se chegar a um consenso rápido, a Assembleia da República decidiu instituir uma comissão que se dedicou exclusivamente à discussão desta lei: a Comissão Eventual para o Tribunal Constitucional. Nessa comissão ficou estabelecido o modo de designação dos juízes, um dos pontos mais sensíveis deste processo, 10 eleitos pelo parlamento e três cooptados por estes.
Ficou definitivamente afastada qualquer intervenção do Presidente da República na designação dos juízes constitucionais, solução que foi contestada no parlamento por deputados como Jorge Miranda ou Vital Moreira.
No prazo de 10 dias, os deputados dessa comissão introduziram alterações ao diploma do Governo, consagrando as restantes normas para o funcionamento do Tribunal Constitucional, como a sua sede e organização interna e os processos de controlo da constitucionalidade das leis.
Fruto do trabalho feito na especialidade, o texto de substituição viria a ser aprovado na votação final global, no mês seguinte, com um consenso partidário muito mais alargado do que na generalidade: obteria os votos favoráveis do PSD, PS, CDS, PPM, ASDI, UEDS, a abstenção do MDP/CDE, e os votos contra do PCP e UDP.
"No princípio, era o caos legislativo. No fim, é uma boa lei. Eis um exemplo de como pode acabar bem o que começa mal", diria, numa declaração de voto, o deputado do PS Almeida Santos, resumindo o processo que levou à aprovação da lei n.º28/82.
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