No rescaldo da investigação de um consórcio de jornalistas, que colocou a descoberto a alegada publicação de mensagens nas redes sociais com conteúdo discriminatório e xenófobo por parte de agentes no ativo na Polícia de Segurança Pública (PSP) e na Guarda Nacional Republicana (GNR), ambas as forças de segurança salientaram já que realizam “ações e iniciativas”, apelando a que se evitem "generalizações". Contudo, face às publicações “incitadoras de ódio e violência", o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, determinou à Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) a abertura de um inquérito "imediato”.
O trabalho, divulgado na quarta-feira por um consórcio de jornalistas na SIC, no Setenta e Quatro, no Expresso e no Público, mostra que as redes sociais são usadas para fazer o que a lei e os regulamentos internos proíbem, com base em mais de três mil publicações de militares da GNR e agentes da PSP, nos últimos anos.
Na verdade, a reportagem dá conta de diversos casos de publicações de caráter “discriminatório, incitadoras de ódio e violência contra determinadas pessoas". Numa delas lia-se: "Procura-se sniper com experiência em ministros e presidentes, políticos corruptos e gestores danosos", conforme dizia o texto sobre a imagem do cano de uma espingarda que um militar da GNR de Vendas Novas publicou no Facebook.
"Enquanto não limparem um ou dois políticos, não fazem nada...", sugeria um militar da GNR de Setúbal, no grupo fechado Colegas GNR.
“Estas alegadas mensagens, que incluem juízos ofensivos da honra ou consideração de determinadas pessoas, são de extrema gravidade e justificam o caráter prioritário do inquérito agora determinado à IGAI", esclareceu José Luís Carneiro, em nota a que o Notícias ao Minuto teve acesso.
Também em reação a estas acusações, a Direção Nacional da PSP garantiu, na quarta-feira, que vai "participar às autoridades judiciais competentes os indícios referidos no artigo e peça jornalística em questão", segundo um comunicado enviado às redações.
A força policial foi mais longe, apontando que "sempre que toma conhecimento e reúne indícios concretos de práticas, atitudes, afirmações, comportamentos xenófobos, racistas ou de incitamento ao ódio, comunica-os às entidades judiciais competentes" e, caso os autores dessas práticas sejam polícias, "avalia-os em sede disciplinar e promove o respetivo procedimento".
A PSP informou ainda ter sido aprovada uma estratégia sobre a comunicação que, entre outras matérias, abrange e regula as interações dos polícias em ambiente digital, bem como um despacho interno sobre o atavio e aprumo dos agentes que proíbe "tatuagens corporais que contenham símbolos ou desenhos que tenham natureza partidária, extremista, sexista ou racista, sendo este, igualmente, um fator eliminatório no processo de recrutamento".
Na mesma linha, a GNR teceu esclarecimentos sobre o caso, esta quinta-feira, assegurando ter implementado o Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e Serviços de Segurança (PPMDFSS), realizando frequentemente “ações e iniciativas, à luz das coordenações mantidas em sede de grupo de trabalho constituído ao abrigo deste Plano, com representantes do Ministério da Administração Interna (MAI), das Forças e Serviços de Segurança, sob coordenação da IGAI”.
A força de segurança indicou ainda ter colocado em prática “medidas corretivas a todo o dispositivo, nomeadamente a difusão de um normativo interno sobre boas práticas no âmbito da prevenção da discriminação” com base num investimento em formação, assim como “a criação da Comissão para a Igualdade de Género e Não Discriminação na Guarda (CIGUARDA), a nomeação de uma Oficial de Direitos Humanos e as boas práticas incutidas ao nível da comunicação institucional quer interna que externa para as questões de género e discriminação”.
À semelhança da PSP, também a GNR realçou que, face a “comportamentos dos seus militares que não se enquadrem com os direitos previstos constitucionalmente, contrários à lei e/ou que configurem uma violação dos deveres deontológicos inerentes à condição militar e policial”, comunica os mesmos “às autoridades competentes, nos termos da lei, e/ou disciplinarmente, apelando a todos a sua denúncia”.
Por seu turno, Paulo Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, afirmou, em declarações à agência Lusa, estranhar o contexto em que foi divulgada a reportagem, ressalvando, contudo, que vai aguardar pelo resultado do inquérito.
"Achamos estranho o contexto em que esta peça foi divulgada, sendo facto que já foi gravada há um tempo a esta parte, e quando estamos a falar de um contexto em que temos uma manifestação marcada para dia 24 e acabámos ontem à noite [quarta-feira] uma reunião com o senhor ministro relativamente à tabela salarial", sublinhou, complementando que a existência de uma lista com nomes de elementos da associação que não proferiram quaisquer comentários xenófobos ou racistas é, também, "estranho".
O responsável justificou que estes elementos fazem parte da lista por estarem naqueles espaços públicos e não por comentários, indicando que a associação vai aguardar com "muita serenidade" o resultado do inquérito da IGAI.
"A ASPP tem mais de três décadas de intervenção sindical com os seus princípios e valores bem vincados, por isso, não há espaço para comportamentos que comprometam aquilo que é a dignidade da vida humana com comportamentos racistas, xenófobos totalmente incompatíveis com a missão policial. Acho que isto é clarinho como água como se diz em bom português", disse, recordando que a tutela tem mecanismos à disposição para dar conta de eventuais condutas menos corretas por parte dos profissionais.
Ainda assim, o presidente da ASPP revelou à Lusa que já há algum tempo que a entidade tinha conhecimento de que certos elementos tinham "algumas linhas de opinião radicais e complicadas", afirmando que "nada foi feito até à data", apesar dos alertas.
[Notícia atualizada às 09h49]
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