"A poluição e as alterações climáticas são duas faces da mesma moeda. A poluição agrava as alterações climáticas, e vice-versa. E também em termos de patologias", disse à Lusa Fátima Franco, da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC), que na sexta-feira promove um encontro sobre esta matéria em Lisboa.
Sublinhado o aumento da frequência das ondas de calor, assim como das vagas de frio, a cardiologista recorda: "Está bem estudado e sabe-se que o frio aumenta os eventos coronários agudos, aumenta o enfarte do miocárdio e sabemos atualmente que as ondas de calor, por mecanismos um bocadinho diferentes, têm exatamente o mesmo impacto".
"O que pretendemos é refletir todos sobre o problema que já temos e definir muito bem três níveis de intervenção: em relação aos médicos, no nosso caso, os cardiologistas, dar-lhes formação para eles perceberem e identificarem o risco nos doentes, ajudando as pessoas a lidar com esse risco", afirmou a especialista, acrescentando: "o outro nível de intervenção é nas sociedades científicas, definindo medidas, e junto dos políticos, sobretudo os responsáveis pelas cidades".
Fátima Franco insiste que "é preciso ensinar as pessoas a viver com as alterações climáticas" e sublinha a fragilidade da população portuguesa, envelhecida e com doenças crónicas.
"É verdade que quando se pensa em poluição pensa-se nas vias respiratórias, mas o que mata são os AVC [acidentes vasculares cerebrais]", acrescenta a cardiologista do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.
A propósito da necessidade de aumentar a literacia relativamente aos efeitos das alterações climáticas na saúde, Fátima Franco recorda: "Quando começámos o nosso mandato [na SPC], há dois anos, havia médicos a perguntar se não era um exagero, se era mesmo verdade".
Aponta ainda a necessidade definir estratégias adequadas em termos de políticas públicas "para a necessária adaptação a esta nova realidade".
A especialista aponta igualmente o recém-criado Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), de que a SPC faz parte e que envolve mais de 30 organizações da área da saúde, que pretende ajudar a diminuir o impacto das alterações climáticas na saúde e reduzir a pegada ecológica neste setor.
O CPSA, que reúne cinco ordens profissionais, associações, sociedades científicas, laboratórios, grupos privados de saúde, a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa e a indústria farmacêutica, visa também preparar o sistema de saúde para eventos inesperados e uma nova epidemiologia das doenças, bem como reduzir a pegada ecológica do setor da saúde, responsável por 4,4% da emissão de gases com efeito de estufa.
No fórum promovido pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia que vai decorrer no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, será apresentado um trabalho de diversos especialistas que insistem que a poluição é "uma ameaça real" à saúde cardiovascular e que "não deve ser subestimada" pelas organizações e pelos decisores políticos.
Neste documento, os especialistas lembram as diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia, que recomenda que as pessoas com alto nível de risco cardiovascular evitem a exposição prolongada a regiões com alta poluição do ar e chama a atenção para a necessidade de melhores sistemas de monitorização, alertando para a necessidade de informar as pessoas sobre os locais e períodos dessa exposição de alto risco.
Neste documento, é sugerido o "rastreio oportunístico de doenças cardiovasculares" em regiões de elevada poluição atmosférica, "particularmente onde existe tráfego rodoviário de elevado volume, como Lisboa e Porto".
Evitar o tabagismo e o fumo passivo -- "um tipo negligenciado de poluição do ar" -, reduzir o uso de veículos motorizados sempre que possível e praticar exercícios preferencialmente em locais com menor poluição do ar são outras das recomendações.
Leia Também: Médicos? "Estamos numa negociação de boa-fé", diz ministro da Saúde