Revolução em Portugal? "Não é justo culpar soviéticos", dizia Kissinger

Henry Kissinger, antigo secretário de Estado dos EUA, desresponsabilizou a URSS pela radicalização política durante o processo revolucionário em 1975, mas subiu o tom do discurso para evitar que os soviéticos pusessem "a mão em Portugal".

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© ROBERTO SCHMIDT/AFP via Getty Images

Lusa
23/04/2023 10:47 ‧ 23/04/2023 por Lusa

País

25 de Abril

"Não é justo culpar os soviéticos pelo que se está a passar em Portugal", comentou Kissinger numa reunião de um grupo informal sobre o controlo de armamento, que juntava especialistas de universidades, em 15 de agosto, no Departamento de Estado, em Washington, numa altura em que Portugal vivia o que se chamou Verão Quente, período de viragem à esquerda do poder saído do 25 de Abril de 1974.

No dia seguinte a ter feito um discurso duro, em Birmingham, Alabama, a avisar a União Soviética quanto à situação em Portugal, Henry Kissinger explica-se no encontro sobre controlo de armamento de 15 de agosto, cuja ata foi desclassificada e está hoje sob consulta nos arquivos da Ford Library.

Os EUA não aceitavam, afirmou no Alabama, que a URSS usasse a política de desanuviamento entre as duas superpotências de forma seletiva ou como um expediente para obter vantagens unilaterais e avisou que o envolvimento soviético em Portugal não era consistente com os princípios de segurança europeia.

Kissinger, que tinha a tese de que Portugal deveria ser a "vacina" para evitar que Itália ou França virassem à esquerda, com comunistas no poder, justificou a "forma veemente" como falou sobre Portugal "em parte devido à pressão [de Moscovo] e em parte para evitar que os soviéticos ponham a mão em Portugal". E avançou com cálculos de quanto a URSS daria em apoios ao PCP.

"Penso que se pode dizer que os soviéticos têm gasto três a cinco milhões de dólares por mês com o Partido Comunista. Os europeus têm gasto uma quantia igual com as forças democráticas. Penso que a diferença em Portugal é que o Partido Comunista esteve na resistência [à ditadura] até ao ano passado, enquanto as fações democráticas estavam no exílio", descreveu.

Numa referência à guerra colonial em África, que Portugal enfrentou desde 1961, o secretário de Estado norte-americano afirmou que as Forças Armadas "tinham sido africanizadas, como os argelinos", eram "suscetíveis aos comunistas" e os EUA tiveram um "período de paralisia" política e diplomática com o caso Watergate que levou à queda de Nixon e à sua substituição por Gerald Ford na Casa Branca.

Daí, chegar à conclusão: "Portanto, não é justo culpar os soviéticos pelo que se está a passar em Portugal."

Já em 07 de agosto de 1975, dias depois de se encontrar com o Presidente português, Costa Gomes, em Helsínquia, Finlândia, numa cimeira da NATO, já Kissinger havia avançado com esta tese, numa reunião do conselho consultivo de informações externas (President's Foreign Intelligence Advisory Board) do Presidente Gerald Ford.

O diplomata recordou ter falado com Costa Gomes, mas disse que "é uma perda de tempo".

"É um sinal de fraqueza nossa irmos falar aos soviéticos. A sua contribuição [para Portugal] é relativamente menor e se não conseguirmos contrapor o dinheiro que eles [soviéticos] estão a investir, estamos numa má situação. Se tivéssemos feito em Portugal o que fizemos no Chile, o resultado seria o mesmo", afirmou.

Ao "falar aos soviéticos", Kissinger refere-se às tentativas de vários líderes europeus, mas também da diplomacia norte-americana, avisarem o líder soviético, Leonid Brejnev, para travar uma tentativa de tomada do poder pelos comunistas portugueses. Quanto ao Chile, é uma referência ao golpe de Estado de Pinochet, em 1973, para derrubar o Governo de Salvador Allende, de esquerda, com o apoio mais ou menos explícito de Washington.

Dois meses depois, em outubro, é enviada de Moscovo um relatório de Jack Matlock, número dois da embaixada dos EUA em Moscovo e especialista em assuntos soviéticos. Começa por dizer que, na "perspetiva tradicional dos soviéticos", é Portugal "pouco mais do que um apêndice" da Espanha na Península Ibérica.

Matlock acreditava, isso sim, que Leonid Brejnev olharia uma vitória dos comunistas em Lisboa como uma fonte de problemas da União Soviética com o Ocidente em tempo de Guerra Fria e duraria pouco.

Portugal não é "uma ilha", como Cuba, e está rodeado "por três lados" pela Espanha, governada então pelo ditador Francisco Franco. Além do mais, segundo o diplomata, os soviéticos duvidavam da capacidade do PCP de Álvaro Cunhal conquistar o poder em Lisboa.

E o Kremlin também não acreditava que o Ocidente, e em especial os EUA, deixasse que Portugal "se juntasse ao campo soviético". "É inconcebível para a liderança soviética", escreveu Matlock num telegrama, confidencial, de 25 de outubro de 1975, para o Departamento de Estado.

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