De acordo com o documento hoje apresentado pelo Grupo Vita, coordenado pela psicóloga Rute Agulhas, "apenas com um princípio de tolerância zero face a estas situações é possível proteger as crianças/adultos vulneráveis e responsabilizar as pessoas que cometem este tipo de crimes", procurando dessa forma evitar a reincidência dos abusos sexuais. E a denúncia dessas situações no seio da Igreja deve ser uma obrigação moral e ética.
"Os membros da Igreja devem reportar, nos termos previstos pela lei canónica e civil, todas as situações de suspeita de violência sexual às entidades competentes. O dever moral de denunciar qualquer forma de violência e proteger as crianças/adultos vulneráveis sobrepõe-se às questões da confidencialidade. Todas as pessoas que suspeitem de uma situação de violência sexual devem sinalizá-la", lê-se no manual.
Propondo também um modelo de canal de denúncia (ainda que suscetível de adaptações), o Grupo Vita enfatiza a necessidade de garantir que esses mecanismos encaminham devidamente as denúncias para as autoridades, na medida em que a "falta de supervisão efetiva ou a ausência de sistemas de responsabilização concreta dentro das instituições religiosas pode contribuir para a perpetuação" dos abusos.
Estas denúncias devem ser recebidas pela estrutura eclesiástica, que deve encaminhar o mais rapidamente possível para o grupo Vita e, eventualmente, para o Ministério Público ou órgão de polícia criminal, confirmando ao denunciante em 48 horas a receção da informação. É então feita uma análise preliminar, uma classificação da situação alvo de denúncia, uma análise subsequente, o reporte às autoridades competentes e o acompanhamento da vítima.
Embora saliente que são precisos mais estudos sobre os fatores de risco acrescido de violência sexual no contexto da Igreja, o grupo Vita deixa no manual o alerta de que "uma cultura de poder (clericalismo) pode contribuir para o abuso dos mais vulneráveis", bem como uma atuação de encobrimento que pode agravar o risco de novos comportamentos abusivos.
Por outro lado, o grupo Vita sublinha que Portugal deve "investir na definição de uma Estratégia Nacional de Prevenção da Violência Sexual contra crianças/adultos vulneráveis", assente num sistema com diferentes níveis de intervenção.
O manual lança ainda 10 mandamentos da prevenção da violência sexual, que incluem quebrar o tabu; criar ambientes seguros através de códigos de conduta e boas práticas; desenvolver políticas claras de prevenção sistémica; reflexão sobre a vivência afetiva e sexual nos seminários; fomentar ações de sensibilização; escutar as vítimas; definir políticas e canais de denúncia; reconhecer o dano nas vítimas; garantir a responsabilização dos agressores; e promover estratégias que levem a mudanças que respeitem os direitos das crianças.
O Grupo Vita pode ser contactado através da linha de atendimento telefónico (91 509 0000) ou do formulário para sinalizações, já disponível no 'site' www.grupovita.pt.
Criado em abril, no âmbito da Conferência Episcopal Portuguesa, assume-se como uma estrutura isenta, autónoma e independente e visa acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica.
O Grupo Vita surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.
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