Um homem que, em 2023, foi condenado por violência doméstica contra a companheira e contra a filha de 4 anos, que esbofeteava e chamava de “porca”, foi ilibado pelo Tribunal da Relação de Évora, que considerou que o propósito do arguido “era pedagógico e situava-se ainda dentro do dever de correção”.
“Nunca resultaria, a nosso ver, que, com as expressões que dirigiu à filha ou com a bofetada que, numa concreta circunstância lhe desferiu, o recorrente pretendesse ofendê-la, ameaçá-la ou maltratá-la corporalmente. De outra sorte, estamos convencidos que o propósito que o recorrente visava alcançar com tais condutas era pedagógico e situava-se ainda dentro do dever de correção, independentemente dos juízos valorativos que possamos fazer acerca da adequação da linguagem utilizada ou dos métodos educacionais postos em prática”, lê-se no acórdão, datado de 20 de fevereiro deste ano.
Os juízes consideraram inclusivamente que “o direito penal não pode ser colocado ao serviço da evolução das mentalidades no que diz respeito a questões pedagógicas”, apontando que “só assume relevância criminal o castigo que, por se revelar desproporcionado e imoderado, ultrapassa o poder/dever de correção dos pais sobre os filhos socialmente aceite”.
“As condutas imputadas ao recorrente na sentença – consubstanciadas em chamar à sua filha de quatro anos 'porca', em dizer-lhe 'vais levar nas trombas, porca' e em ter-lhe desferido uma bofetada, que não lhe deixou quaisquer marcas, quando a mesma saiu a correr de casa em direção à estrada – passam os crivos da moderação e da proporcionalidade, pelo que sempre se encontrariam abrangidas pelo poder/dever de correção, devendo considerar-se socialmente adequadas, o que as tornaria penalmente atípicas”, lê-se ainda.
É que, no dia 17 de junho de 2021, “o arguido desferiu uma estalada na cara da menor”, depois de a menina ter saído em direção à estrada, por ter visto a avó no exterior.
Para a Relação, o contexto do episódio, que é “revelador da situação de perigo em que a criança se colocara, [...] pode perfeitamente indiciar que a atitude do pai tenha sido impulsiva e que tenha revestido caráter pedagógico”.
No entanto, o homem “sempre” terá mantido “um comportamento agressivo e austero com a menor”. Se a criança sujasse a roupa, a mesa ou o chão a comer, chamava-lhe ‘porca’. E mais: se entrasse em casa e não trocasse de sapatos, o pai “começava aos gritos com ela e a dizer-lhe ‘vais levar nas trombas, porca’”.
A mãe da menina, que viveu com o arguido entre 2016 e 18 de junho de 2021, também era alvo de ameaças por parte do companheiro. Quanto o chamava à atenção pela forma agressiva como falava com a filha, o homem respondia-lhe: “Não te metas, senão quem leva és tu.”
De acordo com o documento, o arguido referia-se frequentemente à mulher como “má mãe”, considerando que não sabia “fazer nada”.
“Na sequência de discussões ocorridas entre o casal dizia à ofendida ‘és uma puta, uma porca’. Tais situações ocorriam quer na residência do casal como à frente dos familiares de ambos. Depois do nascimento da menor DD, se a ofendida não quisesse ter relações sexuais, o arguido dizia-lhe ‘és uma puta’ e insinuava que era porque tinha outra pessoa. Com o deteriorar da relação, e sempre que o arguido e a ofendida falavam de se separar, aquele dizia-lhe ‘sais, mas os meninos ficam’ e que ‘lhe retirava os filhos’”, complementou.
A situação foi corroborada pelos pais da vítima. Contudo, na ótica do Tribunal da Relação de Évora, os avós da menina “apenas descrevem situações normais de qualquer relacionamento pai/filho no que à educação diz respeito”.
“Relatam episódios referentes a alimentação e, a tentativa do progenitor de que a menor desse primazia a alimentos saudáveis em detrimento de outros menos saudáveis; episódios em que o pai tenta fazer a criança compreender a figura de autoridade e impor regras de forma compreensível para a criança e adequada. Manifestam estas testemunhas uma visão bastante permissiva dos comportamentos da menor, sem a imposição de regras, nem respeito pelas regras imposta pelo progenitor”, lê-se.
Assim, o homem, que tinha sido condenado a uma pena única de dois anos e 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de três anos, e ao pagamento de uma indemnização de 1.500 euros à ex-companheira e de 1.250 euros à filha, foi absolvido dos crimes.
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