A Fundação Oceano Azul, em conjunto com o Europe Jacques Delors e várias personalidades europeias de referência, desenvolveram um Manifesto para um Pacto Europeu para o Oceano, que estabelece várias medidas e objetivos concretos para proteger o Oceano e aproveitar as oportunidades que este oferece.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto o diretor-executivo (CEO) da Fundação Oceano Azul, Tiago Pitta e Cunha explicou o manifesto, já apresentado no Parlamento Europeu uma vez, assim como em Lisboa, e prestes a ser apresentado novamente em Bruxelas.
Tiago Pitta e Cunha, que foi conselheiro do Presidente da República para assuntos de Ambiente, Ciência e Mar e membro do gabinete do Comissário Europeu para os Assuntos Marítimos (entre 2004 e 2010), onde trabalhou como coordenador da Comissão Europeia para o desenvolvimento da nova Política Marítima Integrada da UE, realçou a importância de os europeus e a UE perceberem a necessidade da "Europa se reinventar" e do facto do "Oceano ser uma cartada fundamental para isso".
Fazer um pacto com o Oceano é compreender a virtualidade que o Oceano vai ter para a pertinência da UE no século XXI
Em que consiste este Manifesto para um Pacto Europeu para o Oceano já entregue no Parlamento Europeu e apresentado, recentemente, em Lisboa?
É uma campanha articulada para chamar a atenção dos novos protagonistas dos novos mandatos das instituições europeias que resultaram das eleições do mês de junho para que em Bruxelas e na União Europeia (UE) a questão do mar seja verdadeiramente compreendida pela importância que realmente tem.
De quem foi esta iniciativa?
É uma iniciativa da Fundação Oceano Azul, apoiada por um Think Tank de Bruxelas, que é o Europe Jacques Delors, que é dirigido por um ex-comissário, um ex-diretor geral de organização de comércio mundial, ex-chefe de gabinete do último pai da União Europeia Jacques Delors, que é Pascal Lamy e também apoiados por um grupo de 29 individualidades, muitas delas ex-comissários ligados a temas do mar na UE.
Além do Tiago, este grupo conta com outros portugueses de renome?
Portugal conta com três pessoas nesse grupo, para além de mim próprio. A ex-ministra do Mar, Assunção Cristas, o ex-secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, de governos diferentes e cores políticas diferentes, e ainda João Vale de Almeida que, além de ser português, foi toda a vida um alto funcionário da Comissão Europeia, sendo conhecido como o grande embaixador da UE para temas difíceis. Ele fez Washington, fez o Brexit, fez Nações Unidas.
E quais são os objetivos do manifesto?
Costumo brincar que, ao contrário do que se diz de fazer um pacto com o diabo, neste caso, fazer um pacto com o Oceano é compreender a virtualidade que o Oceano vai ter para a pertinência da UE no século XXI, em todas as áreas e não apenas nas áreas que já estamos a perceber, como as áreas da geopolítica.
O Oceano é a nossa retaguarda, é o nosso espaço de livre arbítrio, salvaguarda de segurança e defesa da Europa, numa altura em que estamos numa guerra com a federação russa, através da Ucrânia. Por outro lado, o Oceano é um fator fundamental para a descarbonização e competitividade da economia europeia
A Europa é um continente altamente exportador, em termos económicos. O transporte marítimo é a principal ferramenta mundial para as exportações e a Europa é a região do mundo onde a indústria dos transportes marítimos é maior, mais forte, mais desenvolvida e mais rica.
Além disso, o Oceano é uma carta fundamental para a descarbonização das nossas economias e das nossas sociedades, quer através de energias limpas, renováveis offshore e, principalmente, a energia eólica, que está a crescer imenso, e que Portugal pretende agora abraçar (estamos à espera que seja lançado o primeiro grande leilão em Portugal para energia eólica offshore).
Portugal tem metas muito ambiciosas em várias áreas, entre as quais o transporte marítimo. Trabalhando-se na mudança da proporção dos navios passa a ser um transporte mais limpo, por exemplo. E fazer parte da solução da descarbonização, deixar de ser um problema como é hoje é importante, como a área da alimentação, da segurança alimentar e da criação de novas proteínas de origem marinha, através de áreas sustentáveis como a aquacultura multitrófica, que inclui uma percentagem muito elevada de algas, macro-algas, micro-algas e também bivalves.
Portanto, são razões poderosas como estas que nos levam a pensar que é do interesse dos europeus e da UE fazer este pacto, não com o diabo, mas com o Oceano.
A Europa tem características únicas na sua relação com o Oceano, relativamente a qualquer outra massa continental do planeta Terra
O manifesto pretende então tornar a UE numa "superpotência marítima". O que significa isto, mais concretamente?
É apenas uma constatação. A Europa tem características únicas na sua relação com o Oceano, relativamente a qualquer outra massa continental do planeta Terra. É por isso que as populações europeias, desde muito cedo, se tornaram em alguns dos melhores navegadores do planeta. A Europa, tendo três vezes menos massa continental que África, tem três vezes mais linha de costa. A Europa é uma região altamente recortada, é rodeada por quatro mares e dois Oceanos e isso levou a que houvesse a navegação e levou ao que a Europa é hoje, ajudou ao seu desenvolvimento económico. Por trás disto existe, portanto, uma razão histórica e geográfica.
Além disso, constatamos hoje, olhando para a economia do mundo, para a economia marítima do planeta, que a Europa é a superpotência marítima porque é a maior economia energia renovável offshore, é a maior economia de transporte marítimo e é ainda – não em volume em tonelagem, mas em volume de negócio – o maior construtor naval do mundo. Na construção dos barcos mais sofisticados, mais complexos. A Europa tem a maior indústria de equipamento marítimo do mundo, de equipamento naval. A Europa é o maior mercado de pescado do mundo, o que move, como podem imaginar, muitos milhares de milhões de euros e a Europa é também uma superpotência no turismo marítimo. Número 1 do mundo, em volume de negócios e em turistas.
A Europa só não é uma superpotência mundial a nível marítimo na defesa naval. Isso cabe aos EUA, são eles de longe a maior potência naval do mundo. No entanto, fora esta exceção, diria que a Europa, é de facto a superpotência marítima do planeta Terra. Os Europeus muitas vezes não têm consciência disso e é importante que tenham. E o manifesto traz esta consciência.
Mas há desafios...
A Europa está de facto a enfrentar desafios formidáveis, com concorrência com os EUA, com a China, com outras regiões do mundo, emergentes também, como a Índia e outras regiões. A Europa tem de se reinventar no século XXI e o Oceano é uma cartada fundamental para isso, principalmente, porque ele é um fator fundamental para a descarbonização, que vai ser a principal objetivo para o século XXI: cumprir com o Acordo de Paris e liderar o uso e cumprimento desse plano, que é o grande plano da humanidade para permanecer vida no mundo.
E qual foi o feedback do Parlamento Europeu?
O manifesto foi lançado antes das últimas Eleições Europeias, para lançar o tema, para que o discutissem. Por isso é que ele foi apresentado no Parlamento Europeu (PE) em abril. Alguns membros tornaram-se embaixadores do manifesto mas, neste momento, há novos deputados europeus, uma vez que as eleições trouxeram grandes mudanças na constituição do PE. Portanto, o nosso objetivo, a partir de setembro, é reforçar o grupo de individualidades que defende e validam este manifesto com membros do Parlamento Europeu.
Ou seja, o próximo passo será apresentar o manifesto novamente no Parlamento Europeu?
Uma vez que, no final de setembro, início de outubro, vai realizar-se a chamada Semana do Oceano, que todos os anos se realiza em Bruxelas, estamos a pensar apresentar o manifesto aos novos deputados europeus para que estes se transformem em novos embaixadores. Foi precisamente para sensibilizar os novos membros do PE - e os portugueses, em particular - que a Fundação Oceano Azul, realizou no início de julho, uma explicação do manifesto, em Lisboa, com a participação de Pascal Lamye e Geneviève Pons, que são os líderes do Europe Jacques Delors. Na iniciativa marcaram presença, novos parlamentares portugueses recém-eleitos para os quais julgo que houve toda a sensibilidade para compreender a importância do manifesto.
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