Em declarações à Lusa, à margem da conferência "Habitar as grandes cidades", que se realizou esta semana, em Lisboa, a investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa afirmou que "tem havido um desfasamento entre aquilo que é a tendência do tipo de construção e aquilo que é a tendência da população e do número de famílias".
Lembrando que vários países têm "uma prática regular" de realizar estudos sobre a população e as famílias, Alda Botelho Azevedo sugere que Portugal faça o mesmo de três em três anos ou de cinco em cinco anos.
"Em termos de prática corrente, estamos a fazer as coisas da forma errada, porque partimos do princípio que, como nunca vamos ser capazes de construir tudo aquilo que falta construir, construímos o mais que podemos, mas depois construímos no sítio errado, para as pessoas erradas", observa.
"Nós não podemos continuar -- como fizemos, por exemplo, na década de 1980, na década de 1990 -- a construir casas com quatro quartos, quando a dimensão média das famílias já era muito inferior a isso", exemplifica.
Por isso, recomenda, "a primeira coisa que é fundamental que este Governo implemente, como prática corrente, é a estimação da população e do número de famílias, para conseguir projetar não as necessidades correntes, mas as correntes e as futuras".
Só depois será possível "identificar quais são as soluções que são necessárias", salienta.
Simultaneamente, Alda Botelho Azevedo rejeita que a construção nova seja a solução para a crise de habitação, sabendo, porém, que esta "fica muito mais barata do que a reabilitação".
A demógrafa acredita que o parque habitacional vago consegue dar resposta.
"Continuamos a deixar um edificado que é património, que é fundamental, que está bem localizado, sem cumprir a sua função de alojar famílias", lamenta.
Alda Botelho Azevedo -- cuja investigação se tem centrado na demografia da habitação -- adianta que um estudo, que será publicado em breve numa revista científica da especialidade, baseado numa projeção da população e das famílias residentes em Lisboa até 2051, conclui que as 320 mil habitações que constituem o parque habitacional da capital "são suficientes para acomodar o número de famílias projetado por tipologia, portanto por número de quartos".
A conclusão exclui "naturalmente" as habitações que estão em alojamento local, porque essas estão a ser utilizados com fins turísticos.
Perante este cenário, a investigadora -- excluindo a opção pelo arrendamento forçado -- não duvida de que, com incentivos fiscais e estabilidade nas políticas, "os alojamentos que neste momento estão vagos poderiam vir a ser reabilitados e colocados quer no mercado de venda, quer no mercado de arrendamento de longo prazo".
Além disso, como "o solo nas grandes cidades tem neste momento custos muito elevados", essa construção nova terá forçosamente que ser feita "bastante já fora daquilo que são as zonas de maior interesse", servidas por escolas e perto dos locais de trabalho.
A investigadora defende ainda que é urgente aumentar o parque habitacional público, mas fazê-lo assegurando que este se dirige a todas as classes sociais, "tentando desconstruir os estigmas em volta da habitação pública".
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