O julgamento do processo BES/GES começa esta terça-feira no Juízo Central Criminal de Lisboa, 10 anos após o colapso do Grupo Espírito Santo (GES), num caso com mais de 300 crimes e 18 arguidos, incluindo o ex-banqueiro Ricardo Salgado.
É um dos maiores processos da justiça portuguesa e, além do Ministério Público (MP), inclui 18 arguidos e 120 assistentes representados por 58 mandatários (embora se desconheça ainda quantos vão usar da palavra) e ainda 1.698 pessoas com estatuto de vítima.
Mas o que se vai passar nos próximos dias?
A primeira sessão está marcada para as 09h30 no Juízo Central Criminal de Lisboa e tem lugar quatro anos e três meses depois de ser conhecida, em julho de 2020, a acusação do Ministério Público, após cerca de seis anos de investigação.
O coletivo de juízes agendou, para já 14 sessões (até 29 de outubro), das quais as primeiras quatro serão dedicadas às alegações iniciais do Ministério Público e defesa dos arguidos.
As declarações de arguidos, se existirem, e o início das audições de testemunhas estão apenas programadas para quinta-feira, começando pela reprodução da gravação do depoimento do comandante António Ricciardi.
O antigo presidente do Conselho Superior do GES morreu em 2022, mas o depoimento prestado ao MP na fase de inquérito, em 2015, terá a validade de prova testemunhal ao ser reproduzida em tribunal.
Fora do tribunal também se prevê que haja agitação, não só pelo aparato mediático em torno de um dos maiores julgamentos de sempre da justiça portuguesa, mas por causa de duas iniciativas: um protesto de lesados do BES/NB e uma ação organizada por duas associações em memória das vítimas que já perderam a vida na esperança de recuperar o seu dinheiro.
Salgado: Do líder de uma associação criminosa ao doente que quer evitar o julgamento
O antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES) é o rosto incontornável do processo principal do denominado Universo Espírito Santo, respondendo por 62 crimes, após três dos 65 crimes inicialmente imputados na acusação proferida pelo Ministério Público (MP) terem prescrito recentemente (e com mais 10 na rota da prescrição até final de março de 2025).
Estão ainda imputados a Ricardo Salgado um crime de associação criminosa, 12 de corrupção ativa no setor privado, 29 de burla qualificada, cinco de infidelidade, um de manipulação de mercado, sete de branqueamento de capitais e sete de falsificação de documento, praticados pelo menos entre 2009 e 2014 e pelos quais vai ter de responder perante o coletivo de juízes presidido pela magistrada Helena Susano.
Para os procuradores que o investigaram, liderados por José Ranito, atual Procurador europeu português, Ricardo Salgado "logrou apropriar-se de património de terceiros no âmbito do negócio financeiro do Grupo, onde fez circular dívida das entidades não financeiras, independentemente da legitimidade para o exercício dessa atividade, ou das condições patrimoniais destas empresas".
Na ótica do MP, o ex-banqueiro mascarou a realidade do grupo com a "produção sistemática e sucessiva de demonstrações financeiras falsas", que foram divulgadas a "acionistas, credores, auditores de empresas do GES, supervisores, nacionais e estrangeiros", como terá sido o caso da falsificação das contas da sociedade Espírito Santo International (ESI).
E tal só terá sido possível, segundo a acusação, com a "existência de células organizadas, com domínio de assuntos de auditoria, de supervisão, do circuito bancário e do circuito de intermediação financeira para a prática deliberada de atos criminosos, e de todos os conexos a impedir a sua deteção e permitir a sua dissimulação na normalidade de uma atividade particularmente complexa".
Desde então já se passaram quatro anos e uma longa fase de instrução que validou na íntegra as acusações ao ex-presidente do GES. Foi durante este período que o estado de saúde de Ricardo Salgado se deteriorou também, com a defesa a apresentar sucessivos relatórios de diagnóstico de doença de Alzheimer, bem como pedidos de perícias neurológicas.
A defesa do ex-banqueiro pediu a dispensa de marcar presença no julgamento, devido ao diagnóstico de doença de Alzheimer e a uma evolução desfavorável das condições de saúde, mas o tribunal recusou o pedido nos moldes em que foi apresentado, pelo que Ricardo Salgado deverá mesmo ter de comparecer em tribunal.
Além de Ricardo Salgado, vão também a julgamento Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva, Isabel Almeida, Machado da Cruz, António Soares, Paulo Ferreira, Pedro Almeida Costa, Cláudia Boal Faria, Nuno Escudeiro, João Martins Pereira, Etienne Cadosch, Michel Creton, Pedro Serra e Pedro Pinto, bem como as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin.
Recorde aqui de que são acusados os restantes arguidos.
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