"Relativamente ao processo que herdámos [de construção de uma mesquita na Mouraria], no entender deste executivo não faz sentido associar um templo religioso, independente da religião a que se refere, a uma determinada comunidade nacional. Não temos esse histórico. Nunca, julgo eu, nenhum poder público se associou à construção [de templos religiosos]", afirmou Anacoreta Correia.
O autarca falava no âmbito de uma audição com as 3.ª e 6.ª comissões da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), que fiscalizam as áreas de Urbanismo e Direitos Humanos e Sociais, respetivamente, e que estão a avaliar a eventual construção de uma nova mesquita na Mouraria, processo que se arrasta há mais de década.
"Não podemos deixar de estranhar o contraste muito evidente entre aquilo que se foi dizendo e as expectativas que se foram criando e aquilo que efetivamente se fez, e tratando-se de uma comunidade vulnerável, esse contraste é mais chocante, é bastante chocante", declarou Anacoreta Correia.
Aos deputados municipais, o autarca disse que este processo é "no mínimo tortuoso", referindo que teve início em 2009, com o então presidente da câmara António Costa (PS), em que a primeira deliberação ocorreu em 2012 quanto à criação da Praça da Mouraria e, depois, em 2015 houve a declaração de utilidade pública de expropriação, com caráter urgente, de três prédios particulares na Rua do Benformoso.
O vice-presidente da câmara disse ainda ter conhecimento de um protocolo celebrado em 2013 entre o município e a Centro Islâmico do Bangladesh - Mesquita Baitul Mukarram para a instalação da mesquita, no âmbito do projeto da Praça da Mouraria, mas ressalvou que "não houve nenhuma deliberação" para o aprovar.
"Não basta haver um papel para ele existir institucionalmente", salientou, rejeitando obrigações da câmara no cumprimento desse protocolo.
De acordo com o autarca do CDS-PP, em 2016 foi adjudicada ao município a propriedade de dois dos prédios expropriados, que eram de António Barroso, que impugnou judicialmente o processo, e, de acordo com a lei, até 2018 a câmara teria de alocar estes imóveis ao fim para o qual foi efetuada a expropriação, no entanto "nada fez" até essa data e também "nada aconteceu de 2019 a 2021", período em que o município estava sob gestão do PS.
"Partindo do princípio que não é uma matéria de incompetência, houve certamente uma decisão de não dar seguimento a este processo", apontou Anacoreta Correia.
Contestando esta posição, o deputado do PS Pedro Roque considerou que "não há dúvidas sobre a validade" do protocolo de 2013, que inclui um estudo prévio de arquitetura da Praça da Mouraria, argumentando que houve "muita coisa a acontecer".
O socialista acusou ainda o atual executivo, sob gestão de PSD/CDS-PP, de "deliberadamente" dar instruções para que o processo fosse interrompido.
O vice-presidente da câmara referiu que existem, neste momento, seis mesquitas ativas na Mouraria e reforçou que Lisboa é uma cidade plural que respeita o direito constitucional de liberdade religiosa.
"Desde que tomámos posse [em outubro de 2021], não tivemos nenhum pedido formal relativamente a uma comunidade sobre qualquer envolvimento da câmara na construção de uma mesquita", adiantou.
Indicando que a autarquia apoia projetos que pugnem por uma vivência "pacífica e respeitadora desse mesmo pluralismo", mas numa perspetiva "que não seja nem de guetização, nem especificamente dirigido a uma determinada comunidade nacional", Ancoreta Correia sublinhou que "será sempre a partir das comunidades que os projetos terão de ser desenvolvidos".
Quanto à eventual mesquita na Mouraria, o autarca salientou ainda que "não se pode ignorar a existência da Mesquita Central de Lisboa", espaço de culto da comunidade islâmica que "tem ainda uma capacidade muito superior àquela que hoje é a procura em termos de espaço de frequência", estando a "1/3 da sua capacidade potencial".
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